14 de setembro de 2018

Peripécias do Quadriénio

   Caríssimos, ilustríssimos, digníssimos e honradíssimos leitores (e todos os outros que se sintam tentados a declinar estes epítetos maioritariamente elogiosos que acabo de elencar), era já mais do que tempo de voltar à escrita. Só que não sabia como, e, a bem dizer, nem agora o sei. Recuso-me, por um lado, a incorrer (mais ainda) na repetição incessante de afirmações já antigas – mas nem por isso, diria eu, menos pertinentes – a que uma ausência de temas discerníveis me obrigaria, e, por outro lado, não posso deixar de continuar a escrever, posto que desde que finalizei a concepção da ideia que subjaz todo este blog me sinto vagamente incumbido do dever de levar a bom porto os melhoramentos que pude entrever e combater as injustiças que presenciei – e ainda presencio. Sei, porém, que possuo uma forte tendência para a utopia e para o idealismo, e por isso devo pedir aos eventuais leitores que me perdoem estas sempre presentes e (vagamente) tresloucadas ambições…

   De qualquer dos modos, eis-nos quatro anos depois da fundação deste blog, pouco mais do que um passo à frente comparativamente ao que estávamos então, senão em pior estado ainda: posto que a blogosfera (e as demais esferas informáticas) se alimentam sobretudo de novidade, não posso deixar de tentar (como o tenho feito, assaz infrutiferamente, nos últimos tempos) criar novas entradas, desencantar novos temas, debater novos assuntos; no entanto, a já antes mencionada exaustão da maioria das temáticas que se apresentam ao meu assumidamente limitado entendimento como pertinentes e adequadas ao propósito deste espaço, juntamente com a perda do ímpeto criativo inicial que já seria expectável e a degradação do tempo livre decorrente da infeliz evolução dos percursos escolares, leva-me ao silêncio que já se tem prolongado há pouco menos de três meses, para não falar das repetidas vezes em que se tem vindo a manifestar essencialmente ao longo dos últimos dois anos. E eu mesmo já perdi a conta às vezes que prometi – sem o cumprir – que evitaria um tal silêncio, que escreveria mais, que arranjaria forma de inventar novos temas, pelo que não me atrevo a repeti-las.

   Os remorsos não me parecem, porém, a forma apropriada de celebrar um aniversário; sinto-me tentado, em vez disso, a olhar para o futuro, como creio que se deve sempre fazer em ocasiões destas. E o que contém esse futuro? Não o posso saber com clareza. Talvez esperança. Talvez mudança. Espero eu que alegrias também, e felicidade, se esta sequer for atingível, e a solução para todos os problemas do Mundo (e, se não fosse eu suficientemente céptico para questionar até o cepticismo, admitiria agora estar a ser irónico, mas a verdade é que não o estou, não obstante ser um pessimista convicto…). Mas, em particular, o que sei que o futuro garantidamente contém é a continuação deste blog, nem sempre tão mexido quanto gostaria, mas nem sempre tão parado quanto agora tem estado, e a continuação desta ideia, não tão difundida e aceite quanto desejaria, mas não tão criticada e esquecida quanto o receava…

   E creio ainda termos tempo e espaço para desejar a todos aqueles que iniciam, iniciaram ou iniciarão o ano lectivo a melhor das sortes e o maior dos sucessos, não deixando de lhes relembrar e pedir respeitosamente que não deixem nunca de questionar, pensar e tentar encontrar a forma mais benéfica para todos de as coisas estarem organizadas, e que não desistam nunca de lutar por aquilo que consideram ser o correcto…

19 de junho de 2018

Abreviado Apontamento Acerca de Acções Alheias

   Caros leitores, tenho estado outra vez demasiadamente silencioso para o meu gosto. Se quero levar isto a bom porto – e, no fundo, sinto que tenho de levar isto a bom porto –, é absolutamente necessário que escreva mais, e mais frequentemente, do que o tenho feito nos últimos tempos. Chega de desculpas, chega de procrastinações, terei de o fazer e fá-lo-ei… assim que passe mais esta vaga avaliativa que me assola há já algum tempo.

   Há, no entanto, um assunto que tem vindo a ser muito falado nos últimos tempos, de tal forma que se me afigura como imperdoável nada dizer (ou, neste caso, escrever) acerca dele, com ou sem vaga avaliativa. Falo, muito naturalmente, da greve dos professores às avaliações. A sua fundamentação, ou a sua legitimidade, ou o seu propósito, são assuntos que entram demasiadamente no âmbito da política e da economia para que me sinta confortável em debatê-los aqui; a forma de luta escolhida, e os efeitos que ela pode ter, não o são, e é mesmo sobre isso que gostaria de reflectir um pouco.

   Não nego, jamais o faria, o direito a ninguém de contestar, mais a mais quando acha (e tem razões minimamente razoáveis para achar) que está a ser prejudicado. Nesse sentido, não posso, de forma alguma, dizer que esta luta não deveria ser feita, antes pelo contrário. No entanto, considero que possuo total liberdade para questionar se o meio escolhido para a efectuar é o mais desejável (nem me atreverei a discorrer acerca da sua eficácia…).

   Digo, muitas vezes e sem remorsos, que a avaliação não deveria existir, por toda aquela pletora de razões que me vou abster de enunciar novamente; no entanto, aquilo em que penso quando o digo é fundamentalmente distinto daquilo que está a ocorrer: proponho uma inexistência do conceito de avaliação, não a ausência da determinação dos seus resultados; por outras palavras, a minha intenção é a de que ninguém seja avaliado, não a de que ninguém saiba qual a sua avaliação… Nesse sentido, creio não estar a ser incoerente ao dizer que, estando as coisas estruturadas da maneira que estão (que, a meu ver, está bastante longe de ser a mais desejável…), e posto que os resultados das avaliações que agora estão pendentes contribuem muito significativamente para determinar, em conjunto com o desempenho do aluno num outro processo avaliativo que já amplas vezes escrutinei (e critiquei) aqui – os exames nacionais –, a vida futura de alguns dos alunos afectados (os do secundário), não me parece justo para com eles que se lhes negue o acesso a essa informação, mais que não seja porque a dúvida, a incerteza e a ansiedade daí decorrentes contribuem de uma maneira muito pouco positiva para o estado de (relativo) bem-estar psicológico que seria mais ou menos desejável que os alunos apresentassem no decurso dos exames, se é que pretendemos manter qualquer tipo de esperança de que estes podem aferir com um qualquer grau de precisão o nível de conhecimento dos alunos que a eles se submetem.

   E piora: tendo em conta a natureza obviamente voluntária da greve, nem todos os alunos terão sido afectados por ela, ou poderão não o ter sido da mesma forma, o que constitui uma fonte adicional de desigualdades, que, mais uma vez, prejudicam a capacidade de os exames nacionais representarem adequadamente os níveis de conhecimento dos alunos. Isto para nem falar do imbróglio burocrático-administrativo decorrente das distinções entre alunos internos, externos e auto-propostos, e das diferentes acessibilidades às diferentes fases que uns e outros possuem, o que, prevejo eu (e só espero estar errado), ainda poderá vir a gerar muita confusão; se, por um lado, se torna possível anular retroactivamente os exames daqueles que não os deveriam ter podido fazer uma vez concluídas as avaliações que ficaram pendentes, de modo a não conferir a alguns vantagem sobre outros que, por terem sido avaliados atempadamente, não tiveram acesso à primeira fase, é mais do que compreensível que uma tal medida não seja isenta de contestação, posto que estudar para um exame, chegar mesmo a fazê-lo e posteriormente descobrir que o esforço de nada valeu deverá ser, creio eu, mais do que decepcionante.

   O que, no meio disto tudo, não deixa de ser curioso (de uma forma particularmente desagradável) é que, devido a um desentendimento que surge unicamente entre professores e Ministério de Educação, ou entre professores e governo, e que em nada diz respeito aos alunos, tenha sido adoptada uma via de acção que, de uma forma ou de outra, só prejudica estes últimos. Claro, poder-se-á argumentar que atrás dos alunos vêm os pais, e que estes poderão fazer pressão sobre o Ministério, mas, convenhamos, parece-me praticamente o mesmo que tentar capturar um criminoso algemando o seu vizinho da frente… Um pouco menos metaforicamente, mas talvez mais ritmicamente, os do ministério podem ser os culpados, os professores podem sentir-se lesados, mas por que conturbada razão é que os alunos é que têm de ser os sacrificados?

   Deixo a pergunta pendurada, caros leitores, porque assim mo dita a retórica, e porque creio que não me devo alargar muito mais. Até à próxima entrada, que espero que aborde assuntos um pouco menos infelizes do que este…

22 de abril de 2018

Da Liberdade Territorial

   Caros leitores, tenho a apresentar-vos uma nova entrada em mais rápida sucessão relativamente à anterior do que o que tem vindo a ser costume. Não sei se isso é intrinsecamente positivo, mas quero pensar que sim. E o que me despoleta esta renovada vontade de escrever? A intenção, ou a medida, anunciada mais ou menos recentemente pelo Ministério da Educação, de exigir a confirmação das moradas providenciadas às escolas no decurso das inscrições dos alunos.

   Como abundantes textos meus o afirmam, sou um grande apoiante do conceito de flexibilidade; nesse sentido, não creio que a sua aplicação deva ser limitada ao âmbito do funcionamento do sistema de ensino, antes podendo – e devendo – estender-se a uma vasta gama de aspectos organizacionais da própria sociedade. A questão dos constrangimentos espaciais é um deles: creio que os cidadãos devem ser livres de poder determinar o local que, no seu entender, mais se adequa às suas necessidades ou possibilidades; forçá-los a utilizar os equipamentos do seu concelho de residência é severamente limitador, é um regresso desnecessário e indesejável aos tempos dos servos da gleba, onde os camponeses ficavam confinados às terras do seu suserano e de lá não poderiam sair. Sei bem que há toda uma questão logística por detrás, não seria exequível, no caso limite, ter a totalidade da população a utilizar as mesmas instalações, mas daí a fixar as pessoas a uma distribuição territorial que, em muitos casos, poderá ser tudo menos lógica ainda há muita margem de manobra que talvez devesse ser aproveitada.

   Transpondo para o assunto que é relevante para o contexto deste blog, não faz sentido forçar os alunos a frequentar as escolas do concelho de residência dos seus encarregados de educação: por um lado, dependendo do local onde habitem efectivamente, pode suceder que essas escolas sejam mais distantes (ou menos acessíveis, tendo em conta os transportes disponíveis…) do que a(s) do(s) concelho(s) vizinho(s); por outro lado, caso esses encarregados de educação passem a maior parte do seu tempo – por razões laborais, mas flagrantemente, mas não vejo porque não haveriam de ser outras quaisquer – num qualquer outro local, seria prejudicial para as suas capacidades de se encarregarem efectivamente da educação dos seus educandos forçar estes a permanecer junto da sua habitação, e, por isso, longe dos respectivos encarregados. Em suma, não me parece lógico que se imponha qualquer tipo de constrangimento espacial a priori na escolha da escola a frequentar.

   Dito isto, e dado que haverá, forçosamente, um número finito de vagas em cada estabelecimento, surge a brilhante ideia de considerar a concordância do concelho de habitação com o da escola como um dos critérios prioritários de selecção dos alunos… O que, muito espantosamente, conduz a nada mais, nada menos do que uma boa dose de fraudes e falsificações no sentido de garantir a preciosa vaga. Enfim, a velha história de dar a morada do trabalho, ou de familiares, ou de completos desconhecidos, de modo a que as escolas pensem que as crianças habitam outro local que não aquele em que efectivamente habitam.

   E, face a isto, o que se faz? Tentar minorar os motivos para essa fraude, tentando aumentar o número de escolas onde há mais procura? Não: apenas se aumenta a sua complexidade, exigindo provas de que o aluno habita, de facto, no local indicado e/ou que faz parte do agregado familiar do encarregado de educação. Não estou, pelo menos, por agora, plenamente ciente dos diversos documentos que poderão ser entregues como prova, mas, pelos meios de comunicação social, sei de pelo menos um deles que pode ser, no mínimo… insatisfatório: a declaração de IRS. Vejamos um exemplo mais ou menos plausível: a criança passa grande parte do seu tempo em casa dos avós (que, para propósitos do exemplo, vamos admitir que habitam num concelho distinto do da criança, mas que fica suficientemente em caminho para os pais a levarem e trazerem aquando dos movimentos pendulares associados aos seus empregos), razão por que fará todo o sentido que fique numa escola das redondezas; no entanto, dorme em casa dos pais, passa lá os fins-de-semana, e são estes que, de uma maneira geral, se encarregam dos gastos com a sua educação, a sua saúde e tudo o mais, pelo que ela surge, para todos os efeitos, como parte do seu agregado familiar, e não do dos avós. À luz destas novas medidas, creio que não seria possível que a criança frequentasse a escola perto dos avós, o que – a não ser que eu esteja a ser particularmente libertino – me parece pouco menos do que ridículo, além de potencialmente prejudicial para a qualidade da educação que ela recebe. Afastamo-nos, mais uma vez, daquele que seria o objectivo: flexibilizar, facilitar, tornar as coisas mais fluidas, mais adaptáveis às idiossincrasias de todos (e não falo, por agora, em termos pedagógicos, mas sim organizacionais). Por isso, não posso deixar de manifestar a minha discordância relativamente a estas medidas.

   Há, muito naturalmente, a eterna e inclemente questão da logística, da limitação de vagas, da indisponibilidade dos equipamentos, mas não creio que a solução ideal passe, como comecei por dizer, pela delimitação geográfica pura e dura. Sem dúvida que deveria ser tida em conta a proximidade de familiares e/ou potenciais cuidadores (bem como a sua mobilidade e disponibilidade), no sentido de garantir que os alunos que não tenham mais nenhuma alternativa viável ficam mesmo na escola de que necessitam, mas, fora isso, não vejo (deixando de parte questões espinhosas como a eventual contribuição fiscal, directa ou indirecta, do agregado familiar em causa para a autarquia em que a sua residência se enquadra…) qualquer razão para se dar primazia aos do concelho em detrimento dos “de fora”, ainda para mais porque só em casos bastante estranhos quererá um aluno frequentar (ou quererá a família que um aluno frequente) uma escola numa zona que lhe fica largamente inacessível…

   E era isto que tinha para dizer. Talvez seja essencialmente inconsequente, talvez tudo o que escrevo (e digo e faço…) o seja, mas está este texto acabado e, por isso, sinto-me na obrigação de o publicar. Despeço-me com o renovado agradecimento por me lerem, até à próxima entrada…

12 de abril de 2018

Da Irreversibilidade do Falhanço, Dos Falhanços Irreversíveis

   Não, não é, caros leitores, qualquer intenção irónica ou auto-depreciativa que determina o título desta entrada. Poderia ser, dada a minha longuíssima ausência (mais de dois meses, será um recorde?), mas não é. Quero genuinamente oferecer-vos uma reflexão nova, ou, no mínimo, menos repetida do que as restantes que se me apresentavam como possíveis; não sei se o consegui, mas, pelo menos, tentei. Sempre escrevi: já é melhor do que não escrever… Pois em, quero trazer para a discussão a atitude que o sistema de ensino cultiva para com o falhanço, atitude essa que não posso deixar de considerar pouco razoável.

   Deixo uma ressalva importante: sou um daqueles seres intrinsecamente infelizes a quem, entre outras coisas, se pode apontar a falha do perfeccionismo. Nesse sentido, tenho de admitir que posso ser mais do que um bocadinho tendencioso na minha análise, uma vez que não posso deixar de ver o falhanço como algo indesejável, e, nesse sentido, como algo que deve ser evitado a todo o custo. Reconheço, naturalmente, a relevância do papel que ele pode desempenhar na descoberta (pela primeira vez ou só pelo indivíduo em causa) de novas coisas, mas em última análise, o que conduz a esses resultados mais ou menos positivos é a sua reparação.

   E isto introduz muito directamente a reflexão que quero fazer aqui; o falhanço só poderá ter qualquer utilidade (se é que a pode ter, de todo) se for reversível, e se a reversão desse falhanço for tida em conta na aferição do sucesso total, final, do que quer que seja que tenha originado esse falhanço. Fazendo uma metáfora muito óbvia e muito gratuita, no desenvolvimento de uma qualquer nova invenção ou engenhoca, o que conta é o modelo final, acabado, funcional, não a vasta gama de protótipos e modelos de teste que se tiveram de construir até se lá chegar. Mas o que é que faz o sistema de ensino? Toma em atenção todos os modelos, considera-os a todos um produto embalado e pronto a ser expedido; todos os momentos de avaliação contam, e, mesmo nos casos em que os conhecimentos e/ou técnicas avaliadas sejam cumulativas (que, de uma maneira ou de outra, acaba por ocorrer na grande maioria dos casos…), poucas ou nenhumas são as vezes em que melhoramentos posteriores podem reparar falhas anteriores. Por outras palavras, cada momento de avaliação é definitivo, cada eventual falha nele cometida, irreparável, e a perfeição, mais notoriamente inatingível do que no resto das coisas que acontecem neste já de si altamente imperfeito mundo.

   E isto, a curto, médio ou longo prazo (talvez suficientemente longo para que, na maioria dos casos, não seja muito aparente naqueles que mais depressa se libertam das vis amarras do ensino…), não pode senão ser prejudicial, por uma de duas razões: ou o aluno se ressente desse fracasso, tenta evitá-lo a todo o custo e, de uma maneira ou de outra, esgota todo e qualquer resquício de vontade e capacidade de fazer as coisas correctamente (digo resquício porque o depósito principal tende a ser esvaziado pelo simples facto de se frequentar o sistema de ensino…), ou se insensibiliza perante esse fracasso e, em menor ou maior escala, deixa de se preocupar, esforçando-se o mínimo indispensável para progredir (se não ainda menos…). E não creio ser necessário explicar que ambas as situações são indesejáveis, podendo chegar, sobretudo no primeiro caso, a ser pouco saudáveis.

   Digo muitas vezes que o principal propósito do sistema de ensino deve ser o de transmitir conhecimentos. No entanto, não podemos ignorar os eventuais efeitos secundários que possui ou acarreta, neste caso, em termos das atitudes e perspectivas dos que o frequentam. Queremos mesmo uma sociedade onde os cidadãos se preocupam demasiado com a possibilidade de falhar, a opto de entrar em pânico ou ter crises de ansiedade (que ironicamente, poderão facilitar precisamente o falhanço que se receava)? Queremos uma sociedade onde os cidadãos não são minimamente afectados pelos seus potenciais falhanços, cultivando uma mentalidade de “desde que funcione, desde que dê para se continuar assim, chega e sobra”? Ou queremos uma sociedade em que os cidadãos, cientes de que o ideal é não falhar, admitem que a natureza humana acarreta eternamente a possibilidade da falha, tendo, por isso, a plena noção de que o essencial é saber como, por um lado, desenvolver sistemas para a detectar e evitar atempadamente, e, por outro lado, minorar os seus eventuais efeitos adversos?

   Tenho de admitir a possibilidade de estar a incorrer na falácia conhecida por falsa dicotomia (ou, neste caso, falsa tricotomia), no sentido em que talvez existam mais possibilidades para além desta, mas, de momento, não me considero capacitado para discernir mais alguma. Em todo o caso, está já exposto o essencial: que os momentos de avaliação do sistema de ensino, que a própria estruturação intrínseca ao sistema de ensino, poderão não estar a cultivar a atitude mais desejável perante o falhanço, o que constitui, se me permitem a previsibilidade, mais uma razão por que se o deve (e se a deve) mudar.

   E, visto que o tempo se me encurta, se me perdoam a sucintez e a eventual incompletude dos raciocínios, ficarei por aqui, prometendo voltar assim que consiga, numa próxima entrada que espero que chegue mais depressa e seja mais abundante do que esta. Obrigado por me lerem (e mesmo por abrirem e fecharem a página logo a seguir, mas, se o fizerem, dificilmente saberão que vos agradeço por isso…) e não se acanhem, nunca se acanhem, no que toca a críticas, questões ou simples comentários relativamente ao que para aqui escrevo…

6 de fevereiro de 2018

Ruminando os Rankings

   Caríssimos leitores, sei que mais uma vez vos desapontei grandemente. Prometi escrever em breve, tentei cumpri-lo e… falhei. A culpa é, em parte, do sistema de ensino, mas devo ser honesto para convosco (e para comigo…) e dizer que, em grande medida, é também minha. Mas de pouco serve agora chorar sobre produtos lácteos que, de uma forma ou de outra, tenham encontrado o seu caminho para o solo, e, por isso, e também por querer compensar o tempo perdido, prosseguirei já para o assunto que me traz aqui.

   Como qualquer pessoa que tenha estado minimamente atenta aos meios de comunicação social provavelmente saberá, saíram na passada semana os rankings das escolas, quer básicas, quer secundárias, rankings esses que, entretanto, foram alvo de inúmeras análises e reflexões. Pela minha parte, tendendo a minha atitude perante assuntos maioritariamente do foro sócio-político-económico a ser caracterizada principalmente por um silêncio mais ou menos deliberado, terei de me abster de seguir essas sobrelotadas vias mais longe do que um singelo comentário: não deixa de ser curioso que o mesmo concelho contenha quer a escola que está no topo do ranking do 9.º ano, quer a que está no fundo do ranking do secundário… Posto isto, o que me resta para dizer acerca dos rankings? Acerca destes rankings em particular, creio que pouco ou nada; acerca dos rankings em geral… muita coisa.

   Antes de mais, como acho que deve ser sobejamente conhecido pelas (pouquíssimas?) pessoas que passam os olhos por estas linhas de texto, oponho-me total e terminantemente aos exames nacionais; como tal, se não concordo com o instrumento usado na sua elaboração, jamais poderia estar de acordo com a existência dos rankings nos moldes actuais. Poderia ser esta uma boa ocasião para reiterar todas as críticas que tenho para lhes apontar, mas redireccionarei os eventuais interessados para as entradas relevantes, por economia de espaço, tempo e paciência. Não será, no entanto, exagerado ou repetitivo destacar que o problema mais pertinente para esta questão é a possibilidade de os exames nacionais não reflectirem adequadamente o nível de conhecimento dos alunos, o que quer dizer que, em última análise, os rankings poderão estar a medir coisa nenhuma…

   Mesmo pondo (com muito custo meu…) de lado a eventual falta de significado dos rankings, isto é, admitindo que os resultados obtidos significam alguma coisa, não se pode dizer que o processo seja propriamente pacífico a partir daqui… Claro que é desejável que haja algum tipo de verificação da eficácia do sistema de ensino, precisamente o papel que se pode dizer que os rankings tentam desempenhar, e claro que, em função deles, as atitudes das escolas podem (e devem…) ser ajustadas ou alteradas; mesmo que os rankings não tenham influência no seu financiamento (coisa que já julguei ser mais verdadeira, mas, de momento, não me atreverei a afirmá-lo…), um bom resultado costuma levar a uma continuação das atitudes tomadas, enquanto um mau resultado tenderá a levar (se para tal a escola em causa tiver recursos…) a uma alteração das estratégias educativas e pedagógicas postas em prática, posto que será sempre do interesse dos intervenientes nesse tipo de processos decisivos ficar bem colocados… Isto, claro está, não é intrinsecamente negativo, antes pelo contrário, é mais do que se desejável que se corrijam as falhas no processo de ensino-aprendizagem, mas… de uma maneira ou de outra, essas correcções só fazem sentido se virmos a escola enquanto instrumento de educação que actua ao nível da população, no sentido em que os eventuais melhoramentos só se farão sentir nas “gerações” seguintes de alunos (e, eventualmente, naqueles que possam ter ficado retidos…), deixando uma quantidade (a meu ver não desprezável) de alunos e/ou ex-alunos com possíveis falhas no conhecimento, o que não deixa de ser problemático.

   Também neste âmbito das atitudes tomadas em resposta aos rankings, há mais dois aspectos que creio serem dignos de nota (sem trocadilhos…). Em primeiro lugar, posto que um outro ranking disponível tem, também, por base a evolução das médias internas dos alunos (o chamado Percurso de Sucesso, do qual já antes falei), poderá haver alguma tendência para, como suspeito que infelizmente ocorra, as inflacionar ou deflacionar conforme seja mais vantajoso para as estatísticas, o que, não querendo enveredar de novo pela questão das falhas da avaliação, põe muito naturalmente em causa a validade desta, além de (maioritariamente no caso da deflação, claro está) poder ser prejudicial para os alunos (não só pelas consequências directas das notas mais baixas em termos das médias, mas também pela frustração e desmotivação que é saber-se que se tem uma classificação mais baixa do que a que se merece). Em segundo lugar, devo destacar que a natureza dos exames nacionais, sem me alongar mais nas críticas a estes, se presta muito a que se tente assegurar um melhor desempenho dos alunos por via de uma preparação mais específica, aliada a formas de decoranço sistematização de conteúdos também mais específicas, que, naturalmente, pouco ou nada contribuirão para melhorar a eficácia dos processos de ensino-aprendizagem dos conteúdos, que, no fundo, é o que os rankings pretendem aferir.

   Paralelamente a esta questão das respostas estimuladas pelos rankings, surge uma pequena interrogação cujas respostas mais ou menos divergentes, confesso, me entretêm ligeiramente (só ligeiramente…): a quem atribuir as “culpas” dos resultados dos rankings? Alguns dedos, acusatórios, apontam logo para os alunos (acrescentaria eu que com comentários no espírito de “esta juventude de hoje em dia!”); outras vozes (normalmente um pouco mais monocórdicas, se não mesmo entediantes…) discorrem infinitamente sobre contextos sócio-económicos, escolaridades de familiares, localizações geográficas; algumas (talvez mais sábias?) atribuem as culpas não tanto aos alunos, mas mais às políticas tomadas pelos estabelecimentos de ensino; outros há que mencionam (não desprovidos de razão…) a falta de financiamento, a falta de meios, a falta de equipamentos, a falta de funcionários, a falta de professores (e, porventura, a falta de vontade…). Mas, no fim disto tudo, restam mais dúvidas do que certezas, e fica tudo (essencialmente) na mesma… que é, devo acrescentar, mal.

   Mas, em todos estes casos, em todas estas afirmações, verifica-se, por uma outra via, o mesmo problema da escola enquanto instrumento educativo populacional: os problemas são apontados (bem, talvez exceptuando no primeiro caso…), eventualmente são mencionadas formas de os corrigir, mas em momento algum (que eu saiba) é demonstrada qualquer preocupação pelos alunos que sofreram com eles. E essa visão quase heraclitiana do ensino, essa ideia de que os alunos pouco mais são do que gotas de água num rio, escorrendo infinita e incessantemente (helenisticamente, sentir-me-ia levado a dizer panta rei), e o que interessa é modificar o percurso desse rio para o que se julga ser mais conveniente é prejudicial, chega mesmo a ser extremamente prejudicial, para cada uma das gostas, posto que, por muitos melhoramentos que se façam, os alunos, perdão, as gotas originais já sofreram na pele as consequências dos erros que, em muitos casos, nem foram elas a cometer…

   E é com a metafórica esperança de que o rio se torne um dia um lago, onde cada gota pode ficar o tempo que quiser e percorrer o caminho que lhe parecer mais apropriado, que me despeço, até à próxima entrada, desta vez sem previsões temporais…