6 de fevereiro de 2018

Ruminando os Rankings

   Caríssimos leitores, sei que mais uma vez vos desapontei grandemente. Prometi escrever em breve, tentei cumpri-lo e… falhei. A culpa é, em parte, do sistema de ensino, mas devo ser honesto para convosco (e para comigo…) e dizer que, em grande medida, é também minha. Mas de pouco serve agora chorar sobre produtos lácteos que, de uma forma ou de outra, tenham encontrado o seu caminho para o solo, e, por isso, e também por querer compensar o tempo perdido, prosseguirei já para o assunto que me traz aqui.

   Como qualquer pessoa que tenha estado minimamente atenta aos meios de comunicação social provavelmente saberá, saíram na passada semana os rankings das escolas, quer básicas, quer secundárias, rankings esses que, entretanto, foram alvo de inúmeras análises e reflexões. Pela minha parte, tendendo a minha atitude perante assuntos maioritariamente do foro sócio-político-económico a ser caracterizada principalmente por um silêncio mais ou menos deliberado, terei de me abster de seguir essas sobrelotadas vias mais longe do que um singelo comentário: não deixa de ser curioso que o mesmo concelho contenha quer a escola que está no topo do ranking do 9.º ano, quer a que está no fundo do ranking do secundário… Posto isto, o que me resta para dizer acerca dos rankings? Acerca destes rankings em particular, creio que pouco ou nada; acerca dos rankings em geral… muita coisa.

   Antes de mais, como acho que deve ser sobejamente conhecido pelas (pouquíssimas?) pessoas que passam os olhos por estas linhas de texto, oponho-me total e terminantemente aos exames nacionais; como tal, se não concordo com o instrumento usado na sua elaboração, jamais poderia estar de acordo com a existência dos rankings nos moldes actuais. Poderia ser esta uma boa ocasião para reiterar todas as críticas que tenho para lhes apontar, mas redireccionarei os eventuais interessados para as entradas relevantes, por economia de espaço, tempo e paciência. Não será, no entanto, exagerado ou repetitivo destacar que o problema mais pertinente para esta questão é a possibilidade de os exames nacionais não reflectirem adequadamente o nível de conhecimento dos alunos, o que quer dizer que, em última análise, os rankings poderão estar a medir coisa nenhuma…

   Mesmo pondo (com muito custo meu…) de lado a eventual falta de significado dos rankings, isto é, admitindo que os resultados obtidos significam alguma coisa, não se pode dizer que o processo seja propriamente pacífico a partir daqui… Claro que é desejável que haja algum tipo de verificação da eficácia do sistema de ensino, precisamente o papel que se pode dizer que os rankings tentam desempenhar, e claro que, em função deles, as atitudes das escolas podem (e devem…) ser ajustadas ou alteradas; mesmo que os rankings não tenham influência no seu financiamento (coisa que já julguei ser mais verdadeira, mas, de momento, não me atreverei a afirmá-lo…), um bom resultado costuma levar a uma continuação das atitudes tomadas, enquanto um mau resultado tenderá a levar (se para tal a escola em causa tiver recursos…) a uma alteração das estratégias educativas e pedagógicas postas em prática, posto que será sempre do interesse dos intervenientes nesse tipo de processos decisivos ficar bem colocados… Isto, claro está, não é intrinsecamente negativo, antes pelo contrário, é mais do que se desejável que se corrijam as falhas no processo de ensino-aprendizagem, mas… de uma maneira ou de outra, essas correcções só fazem sentido se virmos a escola enquanto instrumento de educação que actua ao nível da população, no sentido em que os eventuais melhoramentos só se farão sentir nas “gerações” seguintes de alunos (e, eventualmente, naqueles que possam ter ficado retidos…), deixando uma quantidade (a meu ver não desprezável) de alunos e/ou ex-alunos com possíveis falhas no conhecimento, o que não deixa de ser problemático.

   Também neste âmbito das atitudes tomadas em resposta aos rankings, há mais dois aspectos que creio serem dignos de nota (sem trocadilhos…). Em primeiro lugar, posto que um outro ranking disponível tem, também, por base a evolução das médias internas dos alunos (o chamado Percurso de Sucesso, do qual já antes falei), poderá haver alguma tendência para, como suspeito que infelizmente ocorra, as inflacionar ou deflacionar conforme seja mais vantajoso para as estatísticas, o que, não querendo enveredar de novo pela questão das falhas da avaliação, põe muito naturalmente em causa a validade desta, além de (maioritariamente no caso da deflação, claro está) poder ser prejudicial para os alunos (não só pelas consequências directas das notas mais baixas em termos das médias, mas também pela frustração e desmotivação que é saber-se que se tem uma classificação mais baixa do que a que se merece). Em segundo lugar, devo destacar que a natureza dos exames nacionais, sem me alongar mais nas críticas a estes, se presta muito a que se tente assegurar um melhor desempenho dos alunos por via de uma preparação mais específica, aliada a formas de decoranço sistematização de conteúdos também mais específicas, que, naturalmente, pouco ou nada contribuirão para melhorar a eficácia dos processos de ensino-aprendizagem dos conteúdos, que, no fundo, é o que os rankings pretendem aferir.

   Paralelamente a esta questão das respostas estimuladas pelos rankings, surge uma pequena interrogação cujas respostas mais ou menos divergentes, confesso, me entretêm ligeiramente (só ligeiramente…): a quem atribuir as “culpas” dos resultados dos rankings? Alguns dedos, acusatórios, apontam logo para os alunos (acrescentaria eu que com comentários no espírito de “esta juventude de hoje em dia!”); outras vozes (normalmente um pouco mais monocórdicas, se não mesmo entediantes…) discorrem infinitamente sobre contextos sócio-económicos, escolaridades de familiares, localizações geográficas; algumas (talvez mais sábias?) atribuem as culpas não tanto aos alunos, mas mais às políticas tomadas pelos estabelecimentos de ensino; outros há que mencionam (não desprovidos de razão…) a falta de financiamento, a falta de meios, a falta de equipamentos, a falta de funcionários, a falta de professores (e, porventura, a falta de vontade…). Mas, no fim disto tudo, restam mais dúvidas do que certezas, e fica tudo (essencialmente) na mesma… que é, devo acrescentar, mal.

   Mas, em todos estes casos, em todas estas afirmações, verifica-se, por uma outra via, o mesmo problema da escola enquanto instrumento educativo populacional: os problemas são apontados (bem, talvez exceptuando no primeiro caso…), eventualmente são mencionadas formas de os corrigir, mas em momento algum (que eu saiba) é demonstrada qualquer preocupação pelos alunos que sofreram com eles. E essa visão quase heraclitiana do ensino, essa ideia de que os alunos pouco mais são do que gotas de água num rio, escorrendo infinita e incessantemente (helenisticamente, sentir-me-ia levado a dizer panta rei), e o que interessa é modificar o percurso desse rio para o que se julga ser mais conveniente é prejudicial, chega mesmo a ser extremamente prejudicial, para cada uma das gostas, posto que, por muitos melhoramentos que se façam, os alunos, perdão, as gotas originais já sofreram na pele as consequências dos erros que, em muitos casos, nem foram elas a cometer…

   E é com a metafórica esperança de que o rio se torne um dia um lago, onde cada gota pode ficar o tempo que quiser e percorrer o caminho que lhe parecer mais apropriado, que me despeço, até à próxima entrada, desta vez sem previsões temporais…