19 de setembro de 2014

Anatomia de um Sumário...

   Após dois ou três longos dias de pausa, volto a escrever. Para aqueles que tenham ficado curiosos acerca dos motivos da minha ausência, terei de referir que o início das aulas, os horários mal elaborados, o envio de trabalhos de casa e outras coisas execráveis diversas me impediram de ter o tempo necessário à elaboração de uma nova entrada. Preferi, em vez disso, fazer uso do meu parco tempo livre para responder a alguns comentários que (os poucos que se deram ao trabalho de ler este meu blog) me fizeram. Hoje, volto a escrever um novo artigo. E, pelo título, adivinha-se que irei mencionar sumários.

   Ora bem, pois então comecemos. Qualquer aluno sabe que, regra geral, no início ou no final (rima não intencional) de uma aula, é suposto escrever o sumário. Geralmente, os professores que se esquecem de fazer sumários, sobretudo os que se esquecem durante muito tempo, são vistos mais ou menos como distraídos, e os que não hesitam em adicionar novos itens ao sumário (ditado no início) no final da aula são vistos como sobre-zelosos em termos da fiabilidade das informações. Bom. Talvez esteja a exagerar as extrapolações psicanalíticas que se estabelecem a partir do hábito de escrever (ou não) os sumários.

   Mas não estou aqui para fazer comentários vagamente frívolos. Estou aqui para apresentar uma reflexão que me ocorreu exactamente hoje, não sei se exclusivamente minha, mas, ainda assim, suficientemente inusitada (penso eu) para a incluir aqui. Aqui vai: o sumário é escrito puramente por hábito, ou por burocracia. Pronto. Já disse. Sim, oiço as queixas do leitor. Tanto alarde por causa de coisa nenhuma... afinal, o que há de extraordinário nessa reflexão? Bem, de extraordinário, não tem nada, mas nunca vi em lado algum a expressão de uma opinião semelhante a esta.

   Conceitos de pedagogia à parte (que, de qualquer dos modos, tendo a pedagogia uma componente tão forte de psicologia, são falíveis), a escrita de um sumário tem um propósito essencialmente ritualístico e burocrático, o primeiro por ser prática comum escrever-se o sumário no início das aulas, o segundo por ser um elemento que deve constar no livro de ponto. Nada mais. Pelo menos, daquilo que posso experienciar e raciocinar, não faz falta nenhuma ao aluno, nem do ponto de vista do estudo, nem do ponto de vista da revisão de matéria (as duas coisas são praticamente a mesma, mas pronto...), ter uma lista supostamente bem organizada das actividades desenvolvidas/da matéria leccionada numa dada aula, tanto mais que essa lista é amiúde defraudada (praticamente qualquer aluno o poderá corroborar); ao contrário do que dizem alguns professores, não serve de muito saber que a matéria X se deu naquela aula, enquanto a Y só na aula a seguir, se ambas estas matérias entram para um teste (os professores, corrijam-se se só acontece com a minha pessoa, dizem a matéria que entra num teste, não as aulas que entram no mesmo), ainda para mais quando, por vezes, há aulas que contêm matéria que entra e matéria que já/ainda não entra. Assim, para o aluno (acho eu, uma vez mais...), o facto de o professor ditar o sumário, a um qualquer ponto da aula, têm uma utilidade prática mínima (só para não dizer inexistente).

   No que respeita ao carácter burocrático de escrever um sumário, não entendo completamente para que é que seria necessário a escola ter um registo do que foi feito/leccionado numa dada aula, mas entendo (até para propósitos... repressivos) que tenha de haver um meio de controlar o trabalho do professor. Não é que concorde com isso, mas entendo. Assim, talvez os professores se pudessem resumir a escrever o sumário no livro de ponto em vez de o ditarem aos alunos. Eu acho que seria melhor. O que dizem os leitores? Aguardo comentários...

P.S.: Bom fim-de-semana a todos quantos leiam isto.

4 comentários:

  1. Olá, antes de tudo parabéns pelo Blog. Cada vez tenho menos tempo para a blogosfera e é pena, pois no meio de tanto lixo conseguimos encontrar algumas reflexões pessoais que são limpas, arrumadas e úteis. É o caso das suas. Quase inevitavelmente dou-me a concordar com muitas delas. Não que concordar seja em si uma virtude, mas no caso com concordar quero dizer que as posições são pelo menos bem sustentadas. Obrigado por isso.
    Em relação a este tópico. Apenas vou fazer o ponto da minha situação. Não sei bem falar sobre a utilidade dos sumários em anos anteriores aos que leciono, que são do secundário. No meu caso nunca dito sumários. Aliás, nunca faço qualquer ditado nas aulas nem dou apontamentos. Pelo contrário, como pode ver no meu blog, os meus alunos tem acompanhamento das matérias de outras formas, como as sínteses dos capítulos e os resumos com esquemas que lhes faço chegar de modo organizado para o seu estudo de consolidação. Como leciono 10º ano tenho algum cuidado para por um lado não sobrecarregar os alunos com tralha, mas por outro para os habituar para o que se segue, que pede muito mais estudo pessoal e autonomia. Como o faço? Por exemplo, com os ensaios argumentativos que são preparados com leituras de textos que eu forneço e que são apresentados tanto em escrita como oralmente. Agora, sumários, nunca os dei no 10º ano. No entanto, não contesto a ideia. depende como o professor organiza a sua forma de trabalho com os alunos. Acima de tudo é necessário que o professor seja organizado.
    Abraço e mais uma vez obrigado e votos de sucesso

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    1. Antes de mais, muito obrigado pelo elogio. Apenas tento passar, da melhor forma que consigo, aquilo que penso, defendendo, dentro das minhas capacidades, não propriamente os interesses dos alunos, mas sim aquilo que considero ser a melhor opção para o ensino. Quanto ao que diz acerca dos sumários, talvez seja uma boa maneira de proceder, mais que não seja pela diferença (nunca conheci um professor que fizesse declaradamente isso), algo que é (quase) sempre mais uma vantagem do que uma desvantagem; mais a mais, é menos um “ritual” que acaba por ocupar tempo de aula, potencialmente aproveitável para leccionar matéria (ou, no caso da Filosofia, para reflectir e/ou debater).
      Deixo-lhe uma pergunta: concorda com a existência de perguntas de escolha múltipla em Filosofia?
      Resta-me só devolver-lhe os desejos de um blog bastante sucedido, embora, pela análise do mesmo, já tenha concluído que o é.
      Com os melhores cumprimentos,
      NSF

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    2. As questões de resposta multipla fazem todo o sentido. São uma excelente forma de testar conhecimentis. Em filosofia é mais relevante a forma como é feita a questão do que a estratégia para a fazer. Por exemplo vejo com frequência testes de filosofia que colocam questões como: comente o texto. Exponha os pontos principais da tese de Kant. Compare a teoria de kant como a de Mill, etc.. qualquer aluno sem saber pensar filosoficamente , mas que decorou a matéria, mesmo sem a compreender muito bem, é capaz de responder a este tipo de questões. Em filosofia, o que deve ser feito é colocar o aluno perante problemas e pedir que os resolva. Por exemplo: qual a posição defendida no texto? Concorda ? Que objecções podem ser feitas à teoria, etc... nas questões de opção isto pode ser feito. Um aparte : andei a tirar um curso on line no MIT sobre os argumentos de Tomás de Aquino. O curso era frequentado maioritariamente por adultos de todo o mundo e as questões de exercícios eram qiase todas de escolha múltipla. Abraço

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    3. Concordo que, em certas circunstâncias, a existência de questões de escolha múltipla faça sentido; no entanto, essas circunstâncias, pelas características intrínsecas à Filosofia e ao saber (se é que existe tal coisa…) filosófico, enquadrar-se-iam nas situações de memorização das teorias de que demonstra discordar, facto em que concordo plenamente consigo. Ou seja, para se colocar uma questão de escolha múltipla verdadeiramente filosófica, haveria certamente mais do que uma resposta correcta (a não ser que o professor actuasse como um tirano ideológico, não aceitando qualquer resposta contrária às suas teorias). Se me permite, dar-lhe-ei um exemplo (que se passou comigo): logo no primeiro teste de Filosofia que fiz em toda a minha vida, o meu professor pôs uma questão de escolha múltipla deveras… intrigante; seria alguma coisa como:

      “A Filosofia é uma ciência.” Esta frase é…

      a) …verdadeira, uma vez que a Filosofia se baseia, tal como as ciências, na busca do conhecimento e da verdade.

      b) …falsa, já que a Filosofia não é objectiva, não sendo, por isso, uma ciência.

      (As duas restantes respostas já não são significativas, nem eu me recordo propriamente do seu teor, uma vez que a argumentação utilizada não era pertinente nem coerente, excluindo-as à partida)

      Ora bem, neste caso (e certamente haverá outras situações semelhantes), as duas opções possíveis correspondem a duas posições diferentes, ambas igualmente válidas, e defendidas por diferentes filósofos ao longo do tempo; corrija-me se estiver errado, mas penso que seja uma questão ainda (atrever-me-ia a acrescentar “e sempre”) aberta ao debate. Assim sendo, parece lógico que qualquer das respostas fosse admissível. Só que, na opinião do professor, apenas a opção a) seria admissível.
      Se me permite a expressão popular, é por estas e por outras que não posso concordar com as questões de escolha múltipla; certamente que nem todas as questões apresentam este nível de polemicidade (como por exemplo, as que figuram nos testes/exames do antigo GAVE, agora IAVE), mas é igualmente certo que há questões polémicas. Em suma, se se pudesse ter a garantia de que todas as questões de escolha múltipla eram claras e objectivas (pois se refeririam não propriamente ao conteúdo, mas à forma do texto/da teoria em causa), que, em muitos casos, seria o mesmo que dizer “ter a garantia de que todos os professores tinham um bom domínio da Língua Portuguesa” (os visados que me desculpem, mas certo é que há quem necessite de uma revisão aprofundada acerca de como construir correctamente uma frase…), eu não teria absolutamente nada contra as questões de escolha múltipla. O pior é que não temos essa garantia…
      Com os melhores cumprimentos,
      NSF

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