14 de janeiro de 2015

Comentando Comentários Alheios

   Sei que tenho estado ausente deste local a que se costuma chamar blogosfera. Nem sei bem porquê, se por falta de ânimo, se por falta de inspiração, se por falta de assunto. Certo é que o Sistema de Ensino lá continua no lugar, sem qualquer tipo de oposição, sem qualquer tipo de contestação, sem qualquer tipo de entrave. Mas hoje estou aqui para tecer um comentário a comentários alheios. Serei mais esclarecedor: na noite da terça-feira passada foi emitido o programa “Por Onde Vamos”, na SIC Notícias, dedicado ao estado do ensino em Portugal, e eu, sobretudo por saber que há muito tempo que devo uma entrada (não sei se a mim próprio se aos leitores, muitos ou poucos que sejam), tomei a liberdade de o ver para agora o comentar. Não poderia ter passado o serão de pior forma. Foi mais uma demonstração do Sistema, em prol do Sistema, para o Sistema e por causa do Sistema. Uma vergonha. Eis porquê.

   Ao longo do tempo, e sobretudo ao longo das minhas actividades bloguísticas, tenho vindo a verificar cada vez mais que, quando se fala do Ensino, os alunos vêm sempre em último lugar. Fala-se dos professores, fala-se das condições das escolas, fala-se das estatísticas, fala-se das disposições comunitárias da União Europeia, fala-se da colaboração com outros países, fala-se do abandono escolar, do insucesso escolar, disto e daquilo… mas não de alunos. Pois, tudo muito certo, são os adultos que têm maior influência no Sistema, logo são eles que importam, os jovens são demasiado imaturos para decidir por si mesmos, é mais do que óbvio, certo?

   Errado. Profundamente errado. Comecemos por isto: qual é a função do Ensino, esteja ele organizado como estiver? Ensinar parece-me a resposta mais evidente. Portanto, o Ensino serve para ensinar, isto é, para transmitir conhecimentos àqueles que não os têm de modo a que esses conhecimentos sejam adquiridos pelos seus destinatários. Estou a ser claro? Espero que sim.

   Ora bem, se a ideia é ensinar, é fundamental, para que se ensine, que haja quem aprenda. Um professor sozinho com as cadeiras e as mesas numa sala não pode ensinar nada a ninguém, como seria de esperar. Está, pois, estabelecido que não pode haver ensino sem alunos, pelo que são estes a componente fundamental de um qualquer Sistema de Ensino, são eles o “cliente final”, o derradeiro propósito da instituição escola. Então, se assim é, porque é que todos os envolvidos no Sistema de Ensino não agem como se assim fosse? Bom… talvez seja a minha lógica que é retorcida e interesseira, pelo que as minhas conclusões estão erradas, posso estar a ser tendencioso, a defender a minha classe e o meu posto… Sempre é menos prejudicial ser eu do que serem eles. O problema é que esta tendência se manifesta em praticamente todos os programas, notícias, blogs e artigos sobre o ensino, e quem sai prejudicado é quem não é mencionado: os alunos.

   Mas a culpa não é só dos que beneficiam mais com essa omissão (ou seja, os que fazem parte do sistema). O problema é que os próprios alunos tendem a amplificar esse efeito, com a sua passividade, com a sua aceitação, explícita ou implícita, de todas as determinações “superiores”, com a sua atitude colaboracionista, no sentido em que são muito poucos os que sequer pensam em mudar alguma coisa. Não sei o que temem, ou o que pensam ganhar com esse tipo de atitudes, mas parece-me, e é o que digo sempre, que têm mais potencial do que o que reconhecem em si mesmos, que podem verdadeiramente mudar. Para dar um exemplo em particular (não do que podem mudar, mas de que não fazem para mudar), como aluno, e como bom aluno, não me senti bem representado pelos dois alunos entrevistados no programa (pergunto-me se foram uma escolha arbitrária…), cuja declaração mais contestatária foi qualquer coisa como “isto até poderia ser considerado aborrecido, mas, como é bom para o meu futuro, até que é fixe”. Perfeito. Se estes são os adultos de amanhã…

   E, claro, há um outro elemento. Pais. Não, não é nenhum tipo de apelo à rebelião adolescente, estereótipo aliás útil para dirigir as energias dos jovens para contestar a autoridade directa dos pais em vez de procurar instituir mudanças sociais mais profundas, mas sim um apelo à consciência dos adultos feito por um jovem. Sem ofensa, claro. Bom, da minha perspectiva, o principal problema é que, falando na generalidade, a maioria dos pais apenas trava lutas que beneficiam directamente os seus educandos (gosto muito deste termo…), quando as travam; depois, o resto do tempo, vêem a escola como uma espécie de depósito para miúdos, pelo que, quanto mais tempo lá estiverem os alunos, melhor será. E isto, claro, quando não estão a afirmar, na generalidade, que todos os alunos, excepto, talvez, os seus filhos, são culpados de todos os males do mundo e arredores, e que só querem ter direitos e não ter deveres. Ou, talvez, seja eu que contacte com uma amostra pouco representativa dos pais de Portugal…

   Mas, para mim, o principal problema até nem é esse. O problema, e como as figuras presentes no “debate” expressaram (mais indirecta do que directamente), é que também se vê o acto de aprender andar na escola como algo cada vez mais exclusivamente burocrático (nenhum trocadilho propositado). Ou seja, há isto, isto e aquilo para fazer, nem se sabe porquê, mas, segundo o regulamento a e a directiva b e a alínea c do artigo d do decreto-lei e, está estabelecido que se deve fazer, ainda para mais porque o estudo f indica que o indicador da estatística g é melhorado por essa medida. Então e a tal história de aprender? Nada? Pois, já me esquecia, a portaria h é omissa quanto a isso. Desculpem-me o ridículo. Mas isto está, obviamente que numa menor escala, patente em belezas como as que referi na entrada anterior (Da Avaliação da Inutilidade), nomeadamente componentes mais ou menos inúteis da avaliação (como o título da entrada o indicia).

   Mas pronto, chega de generalidades gerais. Passemos a generalidades específicas. E, em particular, a uma coisa apontada pelo actual Ministro da Educação, Nuno Crato, que referiu algo do género de os professores se poderem formar mesmo não tendo aprendido algumas matérias de algumas áreas, ou melhor, mesmo tendo aproveitamento insuficiente nessas áreas. Não sei quanto aos leitores, mas eu acho que vejo mais uma oportunidade de impingir os meus Mini-Ciclos de Leccionamento. A sério, pensem nisso. Pelo menos, ninguém poderia progredir numa dada área sem saber a matéria essencial.

   Também achei curiosa a afirmação de Jorge Pedreira, que se prendia com a finalidade do ensino, que corresponderia a dar a todos os alunos a capacidade de aumentar o seu desenvolvimento pessoal, ou qualquer coisa semelhante a isso. Tudo bem, é uma ideia, mas creio que seria uma expressão mais aplicável num livro de auto-ajuda do que no contexto do ensino, que, como já referi, serviria para ensinar. Digo eu.

   Outra coisa que me captou o interesse, e curiosamente surge um pouco em oposição a uma minha afirmação no meu texto contra os Exames Nacionais, foi uma declaração de Nuno Crato no sentido de os exames não serem uma forma de duvidar da qualidade do ensino, mas sim de garantir a qualidade dos alunos que dele provêm. Então, se se for a pensar assim, de que servem os testes e a avaliação durante o ano lectivo? Deixo a pergunta no ar…

   E, para terminar com uma nota ligeiramente positiva, não posso deixar de referir que há, pelo menos, uma coisa em que concordo com as figuras presentes no debate: a falta de constância, a nível programático e de professores, prejudica os alunos. É verdade. Sem professores, é difícil aprender (mas, relembro, sem estudantes é impossível ensinar). Se bem que a inconstância seja consequência, também, dos actuais moldes do Sistema, que não posso considerar finais e irrepreensíveis.

   Não foi só isto, mas basta-me, por agora. Desejo um bom resto de semana a todos, e agradeço-vos por me terem lido. O espaço de comentários está à vossa disposição, como sempre.