30 de junho de 2017

Respostas a Respostas Alheias

   Caros leitores, retomo a escrita com uma entrada num formato muito pouco usual, posto que corresponde a uma resposta, ou, talvez mais precisamente, uma reacção ao artigo publicado por Hélder de Sousa, director do IAVE, no jornal on-line Observador, no passado dia 16 deste mês (admito que venho vagamente atrasado, mas, agora, com a entrada já elaborada, não poderia voltar atrás…), por sua vez em resposta a um artigo anterior, da autoria de Alexandre Homem Cristo, tudo isto, como não poderia deixar de ser, no âmbito dos exames nacionais. Naturalmente, não tenho grande coisa a ver com toda a discussão, mas, como cidadão e como aluno que já realizou exames nacionais, creio estar no meu direito responder, ou reagir, às declarações do director da instituição responsável por eles. E é precisamente isso que aqui vim fazer hoje.

   Em primeiro lugar, no que toca à questão (abordada um pouco por toda a parte da análise daquele que é identificado como o primeiro problema dos exames) da memorização em vez da compreensão dos conteúdos, creio ser necessário frisar que, mesmo não sendo os exames nacionais originadores, por si só, dessa memorização, é a forma como todo o sistema de ensino está organizado que o é, posto que, por um lado, a natureza mais ou menos pontual dos momentos de avaliação potencia a mentalidade de estudar especificamente para a prova em causa e não compreender profundamente a matéria, e, por outro lado, devido à necessidade (ou, no mínimo, vontade…) de atingir bons resultados nos rankings, e também, convém dizê-lo, no intuito de tentar melhorar o desempenho dos alunos, não me parece improvável que haja professores que promovem a mecanização das resoluções dos exercícios e a sistematização dos conteúdos por intermédio da memorização, na ideia (talvez não completamente errada, mas seguramente que não inteiramente correcta) de que se trata da forma mais segura e imediata de garantir que esse conhecimento fica bem consolidado por parte dos alunos. E, se, em ambos estes aspectos, os exames não são o motivo mais directo para que as coisas assim se passem, certo é que, sobretudo neste último aspecto, também contribuem para isso.

   Em segundo lugar, devo destacar as múltiplas referências ao pormenor de ser possível elaborar os exames de modo a que se atinja uma determinada média, reconhecendo-se, portanto, que, em última análise, os seus resultados são manipuláveis. Mesmo que as médias – tal como é abundantemente argumentado no artigo – não sejam a forma mais apropriada para analisar os resultados dos exames, parece-me que a Matemática obriga um pouco a que, havendo, de uma maneira geral, uma quantidade bastante grande de alunos a realizar qualquer exame (o que leva a que haja um grande número de resultados, em princípio, mais ou menos dispersos pelas diversas classificações possíveis), haja uma fracção não desprezável desses resultados que terão de ser alvo de alterações para fazer variar significativamente a média. Como tal, seremos forçados a concluir (como, de qualquer dos modos, se me afigurava já como bastante evidente) que, em última análise, as notas dos alunos dependem, pelo menos em parte, da forma como o exame é elaborado, que é o mesmo que dizer, da vontade de quem os elabora, ou, no mínimo, dos “parceiros técnicos e científicos”, o que implica que, enquanto forma de aferir o nível de conhecimento de cada um dos alunos, não são tão absolutos, indubitáveis, como se poderia pensar. Visão que, diga-se de passagem, o próprio autor rejeita (surpreendentemente, no sentido mais positivo do termo) no encerramento do artigo.

   Em terceiro lugar, uma curta questão de pormenor: no decurso da argumentação no sentido de refutar o uso da média nacional como indicativo do nível de sucesso dos exames nacionais, é apresentada a justificação de que a existência de alunos autopropostos (e, portanto, em situação de retenção à disciplina em causa) introduz uma perturbação tão significativa das médias que contribui para a não-representatividade desse critério no que toca ao estado do ensino. Ora, mesmo admitindo que assim é (coisa que não creio estar em posição de debater, posto que dificilmente me poderei considerar versado na exigente arte de interpretar estatísticas e extrair-lhes o significado, a credibilidade e a adequação à realidade…), não deixa de ser verdade que, de uma maneira geral, esses alunos tiveram acesso às mesmas aulas que os restantes, sendo, em última análise, o seu nível de conhecimentos decorrente do ensino, razão por que me parece que o seu desempenho, mesmo que insatisfatório, também reflecte o estado do ensino; mais a mais, dificilmente se poderá considerar que os exames, por si só, existem fora da própria estruturação do sistema de ensino, e, nesse sentido, não creio que os possamos analisar sem ter em conta condicionantes provenientes dessa estruturação, sendo os alunos autopropostos uma dessas condicionantes…

   Em quarto lugar, a questão da validade dos exames nacionais. Se interpretei correctamente as palavras do autor (e não obstante o facto de a abordagem deste assunto ser admitidamente simplificada, para permitir abranger uma mais vasta gama de leitores), a validade dos exames, ou dos resultados que se obtêm a partir deles, decorre da aceitação, por um conjunto mais ou menos amplo de entidades (mais ou menos?) habilitadas a opinar sobre esses assuntos, de que os resultados apresentados são representativos do estado do sistema de ensino, o que, fundamentalmente, me parece incorrer numa petição de princípio mais ou menos encoberta, posto que, em última análise, se está a tomar uma coisa por válida se for vista como válida… Para além disto, se o propósito principal dos exames nacionais é mesmo ser um reflexo do estado do sistema de ensino, então por que razão têm tanto impacto e tanta influência no futuro dos alunos? (É certo que o próprio autor refere que o acesso ao ensino superior e a forma como se encara a avaliação estão longe de ser ideais, mas, a meu ver, não é por isso que a pergunta deixa de ser válida – ou necessária…)

   Em quinto lugar, um rápido comentário à crítica à aceitação dos elevados níveis de retenção de que padecemos. É certo que, em parte, até podem derivar da incapacidade, indiferença ou indisponibilidade intrínsecas aos próprios alunos, mas creio ser igualmente certo que o sistema de ensino, por um lado, e a sociedade no seu todo, por outro lado, são culpados muito maiores disso: no primeiro caso, porque as múltiplas tarefas associadas ao acto de aprender o tornam algo muito mais oneroso do que o que, naturalmente, é, e, no segundo caso, porque, infelizmente, ainda há casos em que a conjuntura socioeconómica, ou um qualquer problema de natureza pessoal ou familiar, remete para segundo (ou terceiro…) plano os estudos. Naturalmente, quando ao impacto que estas retenções têm nos testes internacionais, disso não há dúvida: alunos em níveis de ensino diferentes têm, em princípio, níveis de conhecimento (e de raciocínio) diferentes, e, nesse sentido, sou levado a dizer que a escolha dos alunos estados com base em critérios exclusivamente etários não será exactamente a melhor medida desses testes internacionais, constituindo, até, um potencial falha (entre outras, como alguns estudos, ou melhor, alguns estudiosos, têm vindo, mais ou menos discretamente, a sugerir…).

   Em sexto lugar, pegando no pormenor de, como é referido pelo menos duas vezes no artigo (para justificar a ausência de evolução nos resultados dos exames, contrastando com o que se verifica nos testes internacionais – embora, conforme também é argumentado, se possa ver esse contraste como apenas parcial, se não mesmo inexistente), os exames poderem sofrer alterações de ano para ano, na sequência de modificações nos programas, gostaria de frisar que é daqui que surge uma porção não despicienda da injustiça que atribuo aos exames nacionais, posto que alnos em anos lectivos diferentes (diria, até, que, em casos extremos, de um ano para o outro) podem ser avaliados à luz de critérios e metas (mesmo que ligeiramente) diferentes. Naturalmente, é mais do que desejável que haja progresso e melhoramentos no ensino, mas creio não ser tão desejável assim que, só pelo infeliz acaso de terem nascido em anos diferentes, alguns alunos tenham a vida facilitada e outros, dificultada. Claro está que este facto é mais ou menos inevitável (a não ser que se opte por aplicar todos os anos exactamente a mesma prova, o que seria, à partida, de uma utilidade bastante reduzida…), mas não deixa de ser, a meu ver, um bom argumento contra o pendor absoluto, incontornável, infalível que muitos atribuem aos exames nacionais (pendor esse que, a meu ver, é quase inteiramente falso, e que o próprio autor desvaloriza – e bem, devo acrescentar).

   Em sétimo lugar, a questão de o desempenho médio, geral e genérico, dos alunos, quer nos exames, quer nos testes internacionais, se estar a tornar mais negativo, mas não propriamente mais positivo, facto que podemos relacionar com a já abordada questão da memorização versus compreensão, não é, a meu ver, inteiramente descupabilizadora dos exames nacionais; mais uma vez me parece inteiramente plausível que os professores, num bem-intencionado, mas não necessariamente bem-sucedido, esforço para tentar garantir o melhor desempenho nos alunos (e as eventuais vantagens que daí possam advir para eles, ou para a escola…), apostem precisamente na consolidação dos conhecimentos mais básicos e essenciais (em parte, por intermédio da memorização…), prejudicando a capacidade, mais dificilmente estimulada e adquirida, de os relacionar entre si de formas mais elaboradas e, portanto, de resolver os exercícios mais complexos, que, segundo o texto, são precisamente a área onde os alunos portugueses apresentam maiores dificuldades. Mesmo que isto não advenha dos exames nacionais em si, é bastante potenciado pela sua existência, ou no mínimo, pela forma como são encarados por grande parte dos intervenientes do sistema de ensino, o que também decorre bastante da forma como são apresentados e implementados…

   Em oitavo lugar, no que toca ao problema de se ensinar especificamente para os exames (e, no fundo, um pouco na sequência do aspecto anteriormente abordado), não seria, mais uma vez, tão rápido a inocentar os exames e a culpabilizar professores (e pais e alunos). Correndo o risco de me repetir (mais ainda…), a própria natureza dos exames, porque as matérias testadas correspondem a (potencialmente) todo o programa de uma disciplina, porque o exame é aplicado com todo um ritual de entrega por agentes da polícia, abertura dos invólucros selados na hora e nem um segundo antes, preenchimento estrito e específico dos cabeçalhos, e um sem fim de outros aspectos que lhe atribuem um carácter intensamente formal, quase dramático, porque o exame pode ter grande influência na vida futura dos alunos, enfim, por uma panóplia de razões, os exames apresentam-se como algo a temer, ou, no mínimo, a recear, sentimento que é aumentado pela própria preocupação que os que rodeiam os alunos (a nível familiar e escolar, entenda-se) demonstram para com eles e para com esse evento que se aproxima, visto como de suprema importância para o seu futuro. Juntando a isto tudo a tendência natural de tudo quanto seja gestão ou administração (em particular, de uma escola…) para se centrar em números e resultados, e tendo em conta que os exames providenciam uma boa fonte de números e resultados, é mais do que natural que os exames nacionais adquiram uma importância desmedida, desnecessária e, diria eu, indesejável, no seio do sistema de ensino. Não são, seguramente, a única fonte de problemas no sistema de ensino (e isso tenho já dito por várias vezes), mas são, sem dúvida, uma testa-de-ferro bastante proeminente para as restantes, e não por isso menos condenáveis…

   Para terminar, gostaria de expressar o meu apoio ao apelo ao debate e à discussão relativamente aos exames, em particular, e ao ensino, em geral, mas, posto que me é praticamente psicologicamente impossível terminar sem deixar mais uma crítica, devo frisar que os exames nacionais também podem ser vistos como decorrentes de uma mentalidade educativa (pelo menos em parte) retrógrada, ou, no mínimo, estagnada, posto que são um conceito que tem estado a ser aplicado há já bastante tempo, diria que com vantagens sempre debatíveis…

   E assim termino, despedindo-me dos meus leitores, que receio ter maçado demasiadamente, e desejando ter mais em breve do que o costume uma nova entrada…

4 de junho de 2017

Das Greves (e dos Exames)

   Caríssimos leitores, já deixei, por mais do que uma vez, bem clara uma posição que sustento e tento defender perante vós (mesmo correndo o quixotesco risco de me encontrar a esgrimir contra moinhos de vento…), que é a minha total e completa oposição aos exames nacionais. Nesse sentido, e por mais que apreciasse remoer os argumentos todos mais uma vez, receei demasiadamente maçar-vos para elaborar uma entrada sobre este tema, mas eis que as circunstâncias, para variar, se conjugam favoravelmente, de tal forma que agora tenho uma boa desculpa para o fazer, desculpa essa que, como poderão ter adivinhado pelo título que escolhi, resulta precisamente da greve anunciada, ou ameaçada, para 21 de Junho, assaz convenientemente coincidente com os exames nacionais de Física e Química A, Geografia A e História e Cultura das Artes.

   Convenhamos, por toda uma panóplia de razões, sobretudo de ordem histórica e democrática, não creio que devamos pôr em causa o direito de quaisquer trabalhadores de lutar pela melhoria das suas condições de trabalho, e, nesse sentido, não me parece muito desejável que nos oponhamos, a priori, a esta greve. Podemos, sim, pôr em causa o sentido de oportunidade da mesma, ou, talvez mais precisamente, a falta dele, dado que o calendário comporta em si exactamente 21 outros dias sem exames (agora só 17, dado que podemos, com elevado grau de certeza, afirmar que não se fará a greve nos dias 1 a 4 de Junho…) que seriam tão bons para reivindicar quanto o próprio dia 21. Naturalmente, sendo em dia de exame, a greve tem mais impacto, serve melhor como meio de pressão, é mais disruptiva, mas… quem se prejudica é, mais uma vez, a vítima do costume: os alunos.

   Nem é preciso dizer que a possibilidade de algumas escolas terem professores disponíveis e outras não mina completamente o (suposto) nivelamento de que os exames nacionais costumam ser vistos como fomentadores, mais que não seja porque a aplicação de um exame diferente (àqueles que não tivessem podido fazê-lo no dia original) geraria, inevitavelmente, um grau de dificuldade diferente, juntando à habitual (mas não por isso menos indesejável!) variação de ano para ano e de fase para fase uma outra variação intra-fásica, se me permitem o palavrão supérfluo, o que, muito naturalmente, multiplica por dez ou cem o factor injustiça. Por outro lado, a marcação de uma nova data de exame (seja para todos, o que evitaria o problema acima descrito, seja só para aqueles que não o puderam fazer no dia 21, caso ele se verificasse), sobretudo se com reduzida antecedência e/ou para um período mais ou menos inusitado, tem o potencial de prejudicar os planos dos alunos, seja em termos de estudo, seja em termos de compromissos pessoais e familiares – sendo este último caso, também, extensível aos funcionários e professores que terão de estar em funções nesse dia, o que aumenta ainda mais o impacto negativo da greve.

   E isto, claro, é para não falar na ainda mais insidiosa questão da incerteza que esta grande incógnita quase shakespeariana de haver ou não haver exame faz surgir, e dos respectivos efeitos nefastos que tem sobre os alunos, e que, agravada pelo nervosismo, e agravando o nervosismo, contribui para aumentar ainda mais as infelizes hipóteses de se fazer asneira, tornando os exames nacionais ainda menos representativos do nível de conhecimentos dos alunos. Isto é, admitindo que sequer o podem ser…

   Tudo isto para dizer o quê? Para deixar, essencialmente, duas mensagens, que enumero com bolinhas para efeitos estéticos:

  • Aos alunos, para que sigam o exemplo dos professores e aproveitem para manifestar, algures, antes ou depois (diria eu que preferencialmente antes…) dos exames, o seu descontentamento – que, espero, não seja tão inexistente quanto, por vezes, parece – relativamente a essa enorme injustiça e essa gigantesca indesejabilidade que são os exames nacionais, e a todas as outras, tão ou mais graves do que ela, que permeiam o sistema de ensino.
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  • Aos professores, para que se recordem de que, se é certo que a escola dificilmente funcionaria sem professores, é ainda mais certo que ela não existiria sem alunos, pelo que talvez não seja a melhor estratégia alheá-los e prejudicá-los, posto que se poderão estar a prejudicar a vós mesmos…

   E, com estas palavras de simultânea exortação e advertência (por menos efeitos que possam ter…), me despeço, até à próxima entrada, se é que ainda aí estão, caríssimos leitores…



Pequeno Post-Scriptum: Tudo o que foi escrito parte do princípio de que a greve virá a ocorrer de facto; no entanto, não me espantaria (antes pelo contrário) que fosse atingido algum tipo de acordo entre o ministério e a FENPROF, e que a greve, afinal, não se viesse a concretizar, caso em que o prejuízo dos alunos se resume ao infeliz facto de terem mesmo de realizar o exame. Se a intenção original sempre foi a de não se efectuar a greve, não me posso coibir de comentar que me parece que os exames são um assunto demasiado grave, que tem demasiada influência na vida de demasiados alunos, para se brincar com ele dessa maneira, por menos formas de reivindicar que os professores possam ver para além desta…