30 de julho de 2016

Movimento Pela Dupla Ortografia do Português

   Caros leitores, saudações mais uma vez. Escrevo, por fim, após mais uma pausa essencialmente involuntária, provocada por um daqueles acessos de falta de inspiração que já tanto injuriei aqui. Mas, agora, felizmente, já não é assim, e retomo um tema fracturante da nossa sociedade e que está, como não podia deixar de ser, bastante ligado ao ensino: a (já velha) questão do novo acordo ortográfico.

   Já deve ser relativamente óbvio para todos vocês que não estou propriamente de acordo com o acordo, antes pelo contrário, e sei que, como é óbvio, não estou sozinho nesta opinião; por outro lado, não podemos negar que há gente do outro lado da barricada, que defende (abster-me-ei de dizer se com ou sem razão…) a manutenção do acordo ortográfico. Um pouco neste sentido, e também porque a (triste) realidade é que o divide et impera funciona e é usado mais vezes do que o que talvez se possa pensar à primeira vista, cheguei recentemente à conclusão de que talvez esta luta esteja a desviar energias de outras possíveis lutas, talvez mais relevantes para o melhoramento das condições de vida de todos (nomeadamente aquelas que passassem por alterar statūs quibus nefastos diversos…), e então senti-me levado a desenvolver uma estratégia que, permitindo, dentro do género, reaver a tão delapidada identidade linguística do Português, não nos deixasse à beira de uma guerra civil entre acordistas e anti-acordistas.

   Não me interpretem mal: discordo profundamente do acordo ortográfico (e já aqui o disse antes…), acho que desvirtua o Português, quer a nível estético, quer a nível etimológico, acho que tem o potencial de gerar mais erros do que os que pretendia corrigir e, sobretudo, considero que a sua aplicação deixa muito a desejar, em particular no sentido em que o período dito de transição, desde a sua implementação (não criação, que foi, como a própria designação do acordo o indica, em 1990, mas adopção como ortografia oficial, o que ocorreu, se não me equivoco, em 2009) até ao momento em que se tornou completamente inadmissível (e penalizável em exame…) a utilização da antiga grafia, foi demasiado curto, não permitindo que as gerações que aprenderam a antiga ortografia pudessem ser totalmente substituídas (sim, estou a falar dessa actividade indesejável que é o falecimento…) pelas que só conheceram a nova (o que é ainda mais grave e inadmissível no caso dos estudantes…). Porém, e por mais que isso me agradasse, pedir a total e completa reversão do acordo ortográfico neste momento, quando já há todo um conjunto de indivíduos que não conheceram outra grafia senão a nova, seria incorrer precisamente no mesmo erro e no mesmo totalitarismo que, para mim, tornam o acordo ortográfico ainda pior do que o que ele seria se apenas se tivesse em conta o seu conteúdo.

   Então, que fazer? Sei que muitos anti-acordistas mais ferrenhos já se estarão provavelmente a preparar para me chamarem “herege”, “traidor” ou algo de conteúdo semelhante (e, sinceramente falando, também me sinto vagamente inclinado a fazer o mesmo a mim mesmo…), mas di-lo-ei na mesma, porque considero ser a melhor via de acção para todos. O que temos de fazer é, pois, pugnar pela adopção simultânea das duas grafias.

   Sim, eu sei o que vão dizer. Vão dizer que isto gera uma desvirtuação adicional da nossa língua, vão dizer que se vai anular os benefícios de se regulamentar a ortografia (que seria mesmo haver um consenso na forma de escrever), vão dizer que se vai complicar a vida a professores e alunos, ao haver grafias alternativas para as palavras (mas, de certa forma, já havia: por exemplo, “imundice” e “imundície” são igualmente aceites, tendo o mesmo significado e praticamente o mesmo som, mas sendo ortograficamente distintas…), vão dizer que se abre um precedente grave no sentido de termos tantas ortografias alternativas quanto, enfim, nos dê na cabeça, vão dizer seja o que for; admito que esta solução não seja ideal, não tenho dúvidas em afirmar que não o é. Porém, não posso deixar de frisar que esta opção, como espero que seja relativamente óbvio para os meus leitores, traz paz e harmonia a todos, porque os acordistas poderão continuar com o seu (abjecto) acordo ortográfico e os anti-acordistas, como eu, poderão manter a sua (maravilhosa) escrita antiga, permitindo, ao mesmo tempo, que qualquer mudança de posição, para qualquer dos lados, possa gradualmente ser efectuada, sem que isso afecte grandemente os utilizadores da Língua Portuguesa (afinal, a própria língua vai evoluindo lentamente…). E, para além disto tudo, também será medianamente importante referir que esta dualidade de grafias não seria propriamente um caso único no mundo: se não me falha o exemplo, a Noruega possui (entre outras formas não inteiramente oficiais) dois sistemas de escrita, o Nynorsk e o Norsk Bokmål, e acho que se entendem todos relativamente bem (à parte uns conflitos mais antigos que modernos…). É certo que as diferenças entre os dois não são exclusivamente ortográficas, há questões gramaticais também, e é igualmente certo que o contexto linguístico e cultural da Noruega é diferente do dos países de língua oficial portuguesa, mas isto não deixa de demonstrar que é, de facto, possível a coexistência de grafias diferentes numa mesma língua. Claro, teria de haver uma certa adaptação do ensino a esse pormenor, mas, tendo em conta que o ensino da ortografia ocorre maioritariamente nas fases iniciais e que, posteriormente, o foco está na gramática (e esta, tretas da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário e do Dicionário Terminológico à parte, permaneceria inalterada), essa adaptação não seria muito significativa (talvez, até, pudesse haver a hipótese de indicar logo nas matrículas a grafia escolhida, e, com base nisso, seria tudo normal, sendo leccionadas as palavras com a ortografia escolhida); na pior das hipóteses, e por mais que me custe escrever isto, sendo o novo acordo a norma oficial agora, seria apenas leccionado este, podendo os alunos utilizar a antiga ortografia sem problemas, embora não lhes fosse directamente leccionada.

   Por isso, parece-me que a via de acção melhor, mais vantajosa e menos prejudicial será mesmo esta: em vez de se fazer movimentos e petições para se anular totalmente o acordo ortográfico e/ou para se consultar a vontade da população relativamente ao mesmo, devemos, todos, acordistas e anti-acordistas (e indecisos e indiferentes também), pedir para que ambas as grafias sejam oficialmente admissíveis. É certo que os acordistas não terão razão absolutamente alguma para lutar por isto, visto que a sua ortografia é a oficialmente sancionada, mas, peço-vos, consideram só este aspecto: seria uma alteração que em nada vos afectaria e que, ainda por cima, melhoraria a vida a todos os falantes da Língua Portuguesa que, ao contrário de vós, preferem a ortografia antiga; por outras palavras, ninguém sairia prejudicado. Por outo lado, os anti-acordistas poderão ver com maus olhos esta iniciativa, no sentido em que em pouco ou nada contribuiria para acabar com o acordo ortográfico de 1990, mas peço-vos, considerem este outro aspecto: desta forma, deixariam (deixaríamos) de ser párias e renegados, e poderiam (poderíamos) escrever, com toda a confiança, com todo o reconhecimento oficial, sem qualquer penalização, ao abrigo do anterior acordo, sem, para isso, mudar à força a grafia dos outros, tal como vos (nos) mudaram a grafia à força. Então, parece-me que só por má vontade é que não se fará isto…

   Assim, termino esta entrada com um apelo a todos os leitores, para que se crie e leve a bom porto um Movimento Pela Dupla Ortografia do Português.

   Até à próxima entrada…

20 de julho de 2016

O Fantasma da Preparação Para o Futuro

   Mui nobres e gentis senhores leitores, não é com grande satisfação que vos comunico que não será propriamente esta a entrada filosófico-argumentativa que pretendia fazer na sequência das minhas duas entradas da semana passada; é, ainda assim, um comentário, ou uma reflexão, ou uma constatação, que eu, enfim, considero minimamente relevante para aqui figurar.

   Todos nós que somos alunos (e, talvez em menor escala, mesmo aqueles de nos que já não o são) já nos defrontámos, de uma forma ou de outra, com o fenómeno que pretendo aqui abordar, e por isso não são necessárias grandes apresentações. Mas eu, verborreico como sempre, fá-las-ei na mesma.

   É mais do que frequente, durante o normal decorrer dos processos lectivos, haver um qualquer aluno que se queixa, por uma ou outra razão, da dificuldade das aulas em geral, ou de um seu aspecto em particular (não nos interessa, para agora, se com ou sem razão). E então, em consequência disso, o professor ou professora a quem a crítica fosse destinada, ou que acabasse por a escutar, não toma outra atitude senão a de responder, com toda a naturalidade: “Prepara-te, que quando chegares [ao próximo nível de ensino] vai ser pior!” E isto, se para alguma coisa conta a minha experiência pessoal, acontece em praticamente todos os níveis de ensino, o primeiro ciclo em relação ao segundo, o segundo em relação ao terceiro, o terceiro em relação ao secundário, o secundário em relação ao superior (e só não sei se dentro do superior há tais situações, mas isso dever-se-á muito provavelmente ao triplo facto de os alunos se queixarem menos abertamente, de os professores prestarem muito menos atenção a essas queixas e de os testemunhos a que até agora pude ter acesso não provirem, muito provavelmente, de alguém que tenha o mindset mais propício a dar tanto destaque a uma ninharia como esta quanto eu estou a dar agora…). O caso torna-se mais desagradável quando algum colega “bem-intencionado” reforça o aviso e/ou a ameaça por intermédio da narração de um qualquer episódio que tenha ocorrido a uma familiar ou amigo no nível de ensino em causa, mas deixemos isso de lado. Será, pois, este o tal “Fantasma da Preparação Para o Futuro” de que para aqui vim falar, e será precisamente este o objecto central das minhas reflexões.

   Independentemente da reacção natural de cada aluno a afirmações deste tipo, que poderá oscilar entre um nervosismo extremo e uma apatia voluntária (englobando, também, aquela rara – mas, para mim, deveras valiosa – atitude de criticar o sistema de ensino…), importará aferir, ou melhor, debater em que medida é que isto é vantajoso. Claro que constitui um aviso, potencialmente útil, para eventuais dificuldades futuras, mas, por outro lado, também acaba por ser uma justificação bastante conveniente para erros e injustiças. E já sabem já sabem o quanto gosto de erros e injustiças, não sabem? Enfim, há sempre aqueles casos em que uma acumulação excessiva (e decorrente mais de desatenção ou negligência por parte de quem os marca do que da necessidade absoluta de as coisas serem assim) de momentos de avaliação e trabalhos para entrega mais que urgente é, de uma maneria geral, branqueada pela afirmação de que, em fases posteriores do ensino, a acumulação é ainda mais intensa (mas ninguém se lembra nunca de destacar que o estado dos alunos, em termos mentais e sociais, é já diferente…).

   Por outras palavras, é pouco menos que idiótico expor os alunos às torturas e aos tormentos do futuro no presente; mesmo que a intenção seja a de os preparar para essas torturas e para esses tormentos, ou seja, mesmo que a intenção seja boa (e nem vale a pena complicarmos as coisas e dizermos que nem sempre o é…), não deixamos de estar, em essência, a antecipar as torturas e os tormentos do futuro para o presente, e, especificamente, para um presente no qual os alunos poderão não estar (tão) capacitados para os suportar.

   Mas, mais do que isto, este “Fantasma da Preparação Para o Futuro” acaba por traduzir, mais directa que indirectamente, a noção de que o ensino tem como propósito e/ou missão preparar os alunos para o futuro (bem… estava-se mesmo a ver, não se estava?). E isso, para mim, nem sequer está em causa: é indubitavelmente falso. Conforme a Fundamentação Metafísica do Propósito da Escola, o ensino deve ensinar (pois… eu sei…), ou seja, transmitir conhecimentos racionais, e isso não passa, de modo algum, por expor preparatoriamente os alunos aos seus potenciais sofrimentos futuros. Que o ensino, nos níveis mais baixos, transmita conhecimentos que possam servir de base a outros futuros, isso é consequência da própria estruturação do conhecimento (que talvez devesse ser revista, mas pronto…); agora, isso em nada contempla essa preparação para o futuro, que, por sua vez, em nada contribui para a transmissão de conhecimentos, que podemos admitir ser – e que eu considero convictamente ser – o propósito final do ensino. Mas irmos por aqui levar-nos-á a debater o próprio funcionamento do ensino, e isso só me levaria a apresentar uma certa e determinada proposta de sistema de ensino alternativo, que não é, de modo algum, para aqui chamada, e, então, para não nos desviarmos mais ainda do assunto, não vou prolongar esta linha argumentativa.

   Direi, em vez disso, que, se dúvidas houvesse relativamente à indesejabilidade deste “Fantasma da Preparação Para o Futuro”, e da inerente perspectiva de que o ensino tem como propósito preparar os alunos para o futuro, creio que essas dúvidas serão facilmente anuladas se considerarmos duas coisas, que apresentarei de seguida. Por um lado, se encararmos todas as fases do ensino como preparação para a(s) seguinte(s), só poderemos concluir que a penúltima será a preparação para a última, a antepenúltima será a preparação para a preparação para a última, a ante-antepenúltima será a preparação para a preparação para a preparação para a última, e por aí fora, numa matryoshka deveras ridícula de preparações (o que, em última análise, acaba por implicar que esta perspectiva é igualmente ridícula…); por outro lado, se atribuirmos ao ensino o dever de preparar os alunos para o futuro, idealmente, cada instante seria dedicado a essa mesma preparação para o futuro, e podemos facilmente verificar, sem grandes divagações filosóficas e/ou metafísicas, que esse tipo de focalização tende a desvalorizar bastante o presente, o que acaba por nos tornar infelizes e prejudica ligeiramente (só ligeiramente…) esse mesmo futuro para o qual tão ardentemente nos preparámos (o que nos levará a concluir que as consequências desta perspectiva não são tão positivas assim). Portanto, creio que isto demonstra medianamente bem que o “Fantasma da Preparação Para o Futuro” é um problema real que convém, se possível, eliminar.

   E era isto que tinha para dizer. Sei que não será exactamente um pináculo de eficácia argumentativa, ou o supra-sumo da profundidade das reflexões filosóficas, mas não deixa de ser um comentário relativamente útil para destacar mais um errozito, mais um problemazito, deste maravilhoso (pois, pois…) actual sistema de ensino.

   Enfim, se ainda andarem por cá, e ainda tiverem vontade de ler, até à próxima entrada…

11 de julho de 2016

Breve Apontamento Sobre Ética Educativa (e o Funcionamento do Sistema de Ensino)

   Caros leitores, tenho de dizer que a minha entrada anterior talvez não tenha sido a mais correcta, nem a mais enquadrada no âmbito deste blog. Podia, de facto, apagá-la simplesmente, mas também não tenho coragem nem vontade para o fazer. Em vez disso, senti-me levado a escrever uma nova entrada, agora em prosa, agora mais conveniente, sobre um curto raciocínio filosófico que entretanto vim a efectuar, relativamente ao papel que alunos e professores deveriam ter no âmbito da Educação.

   Na Fundamentação Metafísica do Propósito da Escola, já expressei mais ou menos as minhas perspectivas de que o ensino serve, ou deveria servir, para transmitir conhecimentos racionais; em maior ou menor escala, todo e qualquer sistema de ensino acaba por seguir esse princípio, e naturalmente que o actual sistema de ensino também. Por outro lado, também não podemos ignorar que todo o sistema de ensino tem como elementos centrais, com o estatuto simultâneo de principal cliente e principal matéria-prima, os alunos. Então, tendo tudo isto em conta, não será necessária grande ginástica mental para concluirmos que os alunos acabam por estar incumbidos do dever (medianamente metafísico) de adquirir o conhecimento que lhes é transmitido. Por outro lado, acaba por ser igualmente óbvio que os professores têm a função oposta e complementar à dos alunos: a de garantir a transmissão dos conhecimentos, acabando por ser, portanto, os agentes mais relevantes de que o sistema de ensino dispõe para atingir a sua finalidade.

   Estão, assim, dispostos os dois fundamentos desta “ética educativa” (termo escolhido mais pela sua sonoridade que pela sua exactidão), por mais discutíveis que possam ser. Admito que possa não estar a ser inteiramente imparcial (dadas as minhas perspectivas… muito particulares… em relação ao ensino), mas creio que estes dois aspectos são suficientemente óbvios para serem pouco discutíveis. E partindo, então, destas duas premissas (mas sem ir construir silogismo algum…), onde podemos chegar? Ora bem, se os alunos devem aprender e os professores devem ensinar, os procedimentos no seio do sistema de ensino devem estar de acordo com esses propósitos: as coisas devem ser feitas da forma que possibilite aos alunos a aprendizagem mais fácil e rápida possível e aos professores a liberdade de ensinarem da forma que mais pareça adequar-se à maneira de ser e estar dos próprios professores e dos alunos. Isto, claro, será muito mais fácil de dizer do que de fazer, mas parece-me lógico admitir que a principal solução passaria por uma redução dos constrangimentos estruturais e burocráticos em prol da liberdade de acção dos professores e da liberdade de escolha dos alunos.

   Mas não é bem por aqui que me interessa ir. O que eu queria verdadeiramente dizer (enfim, já sabem mais ou menos porquê…) é que, no intuito de dar seguimento ao duplo propósito de os alunos aprenderem e os professores ensinarem, há um aspecto do ensino que não deveria, de modo algum, ser central: a avaliação. Independentemente do quão (in)desejável é a avaliação (e já sabem que, para mim, é mais do que muito…), independentemente de se é necessária ou não para garantir que os alunos estão de facto a adquirir o conhecimento que lhes está a ser transmitido, independentemente de se temos uma forma boa de aferir esse nível de conhecimento ou não, não podemos, de modo algum, admitir que avaliar ou aferir o conhecimento é essencial ao normal decorrer do processo de transmissão e aquisição de conhecimentos. Ou seja, independentemente de revoluções e ideologias diversas, não me parece fazer sentido a avaliação ocupar um lugar tão central, tão estruturante, no sistema de ensino como ocupa hoje.

   Era, em última análise, isto que eu tinha para dizer. Sei que não é grande coisa, sei que é apenas a reafirmação do anteriormente afirmado, mas fui levado a registar os resultados desta reflexão que, apesar de curta, enfim, acaba por ser minimamente pertinente para a temática do blog (mais do que o poema!). Ainda não é bem a entrada que eu queria, mas espero conseguir uma coisa mesmo bem-feita, mesmo à maneira, dentro em breve. De resto, se não vos estou a enfadar terrivelmente, se não vos afastei já daqui com a baixa qualidade dos meus textos, estejam, como sempre, à vontade para expressar as vossas opiniões e as vossas perspectivas sobre o que escrevo, e mesmo que seja sobre outras coisas…

   Enfim, pela segunda vez hoje, até à próxima entrada…

Poesia Contestatária

   Cumprimento hoje os meus caros leitores com a plena noção de que estou, falando muito coloquialmente, a fazer porcaria. “A fazer porcaria porquê?”, poderão perguntar-se, e eu diria “Olhem para o título.” Este é, como espero que saibam, um blog sobre Educação, sobre mudanças no actual sistema de ensino, sobre, enfim, sobre os Mini-Ciclos de Leccionamento, não é para andarmos para aqui com tretas poéticas… Mas enfim, não tinha assim nenhum tema que me apetecesse mesmo abordar, e a minha consciência já me ditava há algum tempo que fizesse uma nova entrada, pelo que fui levado a ir buscar um poema que fiz há algum tempo (sim, admito, sou daqueles infelizes que também fazem poemas…), e que se chama, muito apropriadamente, Educação. Espero que vos apele minimamente, por mais discordante que seja das habituais convenções poéticas (mas isso é o meu estilo… já sabem que gosto de discordar de convenções, não sabem?), e por menos valor artístico que nele possam detectar (valor artístico esse que é francamente subjectivo, mas pronto). Ora aqui vem ele.

Educação
E pensar
Que entrei
Numa quase perfeita
Inconsciência
Nessas portas escondidas,
Não das ilícitas e carnais,
Mas das metafísicas e transcendentais,
Onde residiam o que julgava serem segredos ancestrais,
Mas que se revelaram como pouco mais
Do que meras mentiras originais,
Ensinando-me a esquecer,
Esquecendo-se de me ensinar,
Enquanto pretendiam ser
A melhor forma de se estar,
A melhor forma de se viver,
A melhor forma de se levar,
A melhor forma de acabar
Esta curta, tão curta, vida
Que, sendo nossa para dispor,
Fazemos de outros,
Fazemos voluntariamente de outros,
Só por lhes darmos a primazia
De definir a ilegítima regulamentação
Que comprime e constrange
E condiciona e conspurca
A nossa própria essência,
Mas a que todos chamamos
Educação…
Sim, como rebanhos, entramos,
Em turmas, em salas, em aulas,
Em trabalhos, em testes, em tormentos,
Tornando-nos instrumentos,
Tornando-nos meros instrumentos,
De planos e vontades e conluios alheios,
Aceitando, com a placidez resignada
Que só psicoactivos diversos nos concederiam,
Que nos moldem as mentes,
Que nos moldem as convicções,
Que nos moldem as impressões,
Que nos moldem os corações,
Para o que mais lhes convém,
Para o que mais lhes agrada,
Para o que mais nos reduz
Ao mero papel de servos,
De engrenagens partidas
Nesta maquinaria infernal,
Corroída até ao osso
Por séculos e séculos de ferrugem,
Aceitando, por isso,
Reduzir-nos a uma insignificância
Que nos atribuem mais do que nos atribuímos,
E recusando,  
Recusando terminantemente,
Reconhecer o nosso potencial de mudança.
Mas avançamos.
{Como soldados intrépidos
(Ou intensamente manipulados),
Marchamos, corajosos, contra o inimigo,
Contra um inimigo que, em vez de invisível,
Opta por ser inatingível,
Tornando-se todos os que vemos,
Tornando-nos todos ele,
Mas que nós vemos
Como o amigo simpático e bondoso
Que, de mão estendida,
Nos vem ajudar a levantar
Dos carris de comboio onde caímos
(Só para depois nos colocar no chão
E fazer de nós seu tapete),
Levando-nos para longe dessa morte
(Mas para mais perto de uma outra,
Morte de honra,
Morte de ideia,
Morte de pensamento,
Mais grave que a mera
Morte de corpo e alma
Que o comboio,
Que afinal é Destino e Natureza,
Guardava para nós),
Para um sítio quente e confortável
(Que afinal é só a sala dos fornos
Onde nos cozinhará, na grelha,
Para nos servir, como banquete,
Aos subalternos que traz para casa,
Subalternos que mandam quase tanto nele
Que parece que são eles que mandam nele,
Ainda que tudo isso
Seja só um mero estratagema
Para assegurar que é mesmo ele
Que manda nele,
E que manda neles),
Como um abraço maternal e carinhoso
(Só que a mãe dele não era mãe,
Era uma coisa muito pior que isso,
Rapariga latina,
Meretriz por gosto e lucro,
Sim, a mãe dele,
Dele, ou melhor, dela,
Sim, dela,
Porque o ele era ela,
Porque o ele era a sociedade,
A mãe dela,
A mãe da sociedade,
Era uma meretriz,
Uma vulgívaga,
Uma prostituta,
Uma pega,
Uma vaca,
Uma rameira,
Uma… Sim,
Todos sabem do que é que falo,
A sociedade é filha disso mesmo).
Então,
Avançamos,}
Suportamos,
Aguentamos,
Traçamos um rumo de futuro,
Um futuro arrumado,
Porque arrumados estamos todos nós
Por apenas seguirmos o mesmo rumo
Que todos nós,
E que todos os outros antes de nós,
Tiveram a ausência de espírito de seguir,
E suportamos as imposições que nos fazem
Como se de gentilezas se tratasse.
E não acordamos.
E não mudamos.
Mas alguém gosta disto?
Serei eu o único que olha,
Que olha em volta e vê
Que tudo está mal,
Que tudo deve ser mudado?
Sou eu o único que, dormindo,
Estou acordado?
Será esta minha
Quase perfeita
Inconsciência
Muito mais atenta
Que a vossa
Mal sustentada
Consciência?
Ou não?
Não sei.
Por enquanto,
Deambulo,
Deambulo no pensamento,
Porque não o posso fazer em mais lado algum,
Deambulo no pensamento,
Para me mostrar
(E, sub-repticiamente,
Para lhes mostrar,
E para vos mostrar)
Que sou diferente,
Que não me ajeito,
Que não aceito
Essa vossa maravilha,
Esta minha porcaria,
Essa vossa perfeição,
Esta minha ignóbil convenção,
Esse vosso paradigma,
Esta minha revolução,
A que vocês
(Eu é que não)
Chamam educação.

Nota: Caso se venha a dar alguma forma de declamação pública deste poema (pela parte da minha pessoa ou de qualquer outra), sugiro que, para melhor compreensão dos ouvintes, se omita o excerto delimitado entre chavetas, porque o seu sentido só é verdadeiramente apreendido quando lido e não quando ouvido…



   Sei que isto não agradará a todos os leitores (aliás, provavelmente até desagradará a muitos!), mas foi para aqui que estava virado. Enfim… critiquem à vontade, já sabem, e, se puderem e quiserem, sugiram-me novos temas, que isto está difícil…

   Bom, até à próxima entrada, que espero que seja já em prosa…