30 de julho de 2016

Movimento Pela Dupla Ortografia do Português

   Caros leitores, saudações mais uma vez. Escrevo, por fim, após mais uma pausa essencialmente involuntária, provocada por um daqueles acessos de falta de inspiração que já tanto injuriei aqui. Mas, agora, felizmente, já não é assim, e retomo um tema fracturante da nossa sociedade e que está, como não podia deixar de ser, bastante ligado ao ensino: a (já velha) questão do novo acordo ortográfico.

   Já deve ser relativamente óbvio para todos vocês que não estou propriamente de acordo com o acordo, antes pelo contrário, e sei que, como é óbvio, não estou sozinho nesta opinião; por outro lado, não podemos negar que há gente do outro lado da barricada, que defende (abster-me-ei de dizer se com ou sem razão…) a manutenção do acordo ortográfico. Um pouco neste sentido, e também porque a (triste) realidade é que o divide et impera funciona e é usado mais vezes do que o que talvez se possa pensar à primeira vista, cheguei recentemente à conclusão de que talvez esta luta esteja a desviar energias de outras possíveis lutas, talvez mais relevantes para o melhoramento das condições de vida de todos (nomeadamente aquelas que passassem por alterar statūs quibus nefastos diversos…), e então senti-me levado a desenvolver uma estratégia que, permitindo, dentro do género, reaver a tão delapidada identidade linguística do Português, não nos deixasse à beira de uma guerra civil entre acordistas e anti-acordistas.

   Não me interpretem mal: discordo profundamente do acordo ortográfico (e já aqui o disse antes…), acho que desvirtua o Português, quer a nível estético, quer a nível etimológico, acho que tem o potencial de gerar mais erros do que os que pretendia corrigir e, sobretudo, considero que a sua aplicação deixa muito a desejar, em particular no sentido em que o período dito de transição, desde a sua implementação (não criação, que foi, como a própria designação do acordo o indica, em 1990, mas adopção como ortografia oficial, o que ocorreu, se não me equivoco, em 2009) até ao momento em que se tornou completamente inadmissível (e penalizável em exame…) a utilização da antiga grafia, foi demasiado curto, não permitindo que as gerações que aprenderam a antiga ortografia pudessem ser totalmente substituídas (sim, estou a falar dessa actividade indesejável que é o falecimento…) pelas que só conheceram a nova (o que é ainda mais grave e inadmissível no caso dos estudantes…). Porém, e por mais que isso me agradasse, pedir a total e completa reversão do acordo ortográfico neste momento, quando já há todo um conjunto de indivíduos que não conheceram outra grafia senão a nova, seria incorrer precisamente no mesmo erro e no mesmo totalitarismo que, para mim, tornam o acordo ortográfico ainda pior do que o que ele seria se apenas se tivesse em conta o seu conteúdo.

   Então, que fazer? Sei que muitos anti-acordistas mais ferrenhos já se estarão provavelmente a preparar para me chamarem “herege”, “traidor” ou algo de conteúdo semelhante (e, sinceramente falando, também me sinto vagamente inclinado a fazer o mesmo a mim mesmo…), mas di-lo-ei na mesma, porque considero ser a melhor via de acção para todos. O que temos de fazer é, pois, pugnar pela adopção simultânea das duas grafias.

   Sim, eu sei o que vão dizer. Vão dizer que isto gera uma desvirtuação adicional da nossa língua, vão dizer que se vai anular os benefícios de se regulamentar a ortografia (que seria mesmo haver um consenso na forma de escrever), vão dizer que se vai complicar a vida a professores e alunos, ao haver grafias alternativas para as palavras (mas, de certa forma, já havia: por exemplo, “imundice” e “imundície” são igualmente aceites, tendo o mesmo significado e praticamente o mesmo som, mas sendo ortograficamente distintas…), vão dizer que se abre um precedente grave no sentido de termos tantas ortografias alternativas quanto, enfim, nos dê na cabeça, vão dizer seja o que for; admito que esta solução não seja ideal, não tenho dúvidas em afirmar que não o é. Porém, não posso deixar de frisar que esta opção, como espero que seja relativamente óbvio para os meus leitores, traz paz e harmonia a todos, porque os acordistas poderão continuar com o seu (abjecto) acordo ortográfico e os anti-acordistas, como eu, poderão manter a sua (maravilhosa) escrita antiga, permitindo, ao mesmo tempo, que qualquer mudança de posição, para qualquer dos lados, possa gradualmente ser efectuada, sem que isso afecte grandemente os utilizadores da Língua Portuguesa (afinal, a própria língua vai evoluindo lentamente…). E, para além disto tudo, também será medianamente importante referir que esta dualidade de grafias não seria propriamente um caso único no mundo: se não me falha o exemplo, a Noruega possui (entre outras formas não inteiramente oficiais) dois sistemas de escrita, o Nynorsk e o Norsk Bokmål, e acho que se entendem todos relativamente bem (à parte uns conflitos mais antigos que modernos…). É certo que as diferenças entre os dois não são exclusivamente ortográficas, há questões gramaticais também, e é igualmente certo que o contexto linguístico e cultural da Noruega é diferente do dos países de língua oficial portuguesa, mas isto não deixa de demonstrar que é, de facto, possível a coexistência de grafias diferentes numa mesma língua. Claro, teria de haver uma certa adaptação do ensino a esse pormenor, mas, tendo em conta que o ensino da ortografia ocorre maioritariamente nas fases iniciais e que, posteriormente, o foco está na gramática (e esta, tretas da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário e do Dicionário Terminológico à parte, permaneceria inalterada), essa adaptação não seria muito significativa (talvez, até, pudesse haver a hipótese de indicar logo nas matrículas a grafia escolhida, e, com base nisso, seria tudo normal, sendo leccionadas as palavras com a ortografia escolhida); na pior das hipóteses, e por mais que me custe escrever isto, sendo o novo acordo a norma oficial agora, seria apenas leccionado este, podendo os alunos utilizar a antiga ortografia sem problemas, embora não lhes fosse directamente leccionada.

   Por isso, parece-me que a via de acção melhor, mais vantajosa e menos prejudicial será mesmo esta: em vez de se fazer movimentos e petições para se anular totalmente o acordo ortográfico e/ou para se consultar a vontade da população relativamente ao mesmo, devemos, todos, acordistas e anti-acordistas (e indecisos e indiferentes também), pedir para que ambas as grafias sejam oficialmente admissíveis. É certo que os acordistas não terão razão absolutamente alguma para lutar por isto, visto que a sua ortografia é a oficialmente sancionada, mas, peço-vos, consideram só este aspecto: seria uma alteração que em nada vos afectaria e que, ainda por cima, melhoraria a vida a todos os falantes da Língua Portuguesa que, ao contrário de vós, preferem a ortografia antiga; por outras palavras, ninguém sairia prejudicado. Por outo lado, os anti-acordistas poderão ver com maus olhos esta iniciativa, no sentido em que em pouco ou nada contribuiria para acabar com o acordo ortográfico de 1990, mas peço-vos, considerem este outro aspecto: desta forma, deixariam (deixaríamos) de ser párias e renegados, e poderiam (poderíamos) escrever, com toda a confiança, com todo o reconhecimento oficial, sem qualquer penalização, ao abrigo do anterior acordo, sem, para isso, mudar à força a grafia dos outros, tal como vos (nos) mudaram a grafia à força. Então, parece-me que só por má vontade é que não se fará isto…

   Assim, termino esta entrada com um apelo a todos os leitores, para que se crie e leve a bom porto um Movimento Pela Dupla Ortografia do Português.

   Até à próxima entrada…

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