11 de julho de 2016

Poesia Contestatária

   Cumprimento hoje os meus caros leitores com a plena noção de que estou, falando muito coloquialmente, a fazer porcaria. “A fazer porcaria porquê?”, poderão perguntar-se, e eu diria “Olhem para o título.” Este é, como espero que saibam, um blog sobre Educação, sobre mudanças no actual sistema de ensino, sobre, enfim, sobre os Mini-Ciclos de Leccionamento, não é para andarmos para aqui com tretas poéticas… Mas enfim, não tinha assim nenhum tema que me apetecesse mesmo abordar, e a minha consciência já me ditava há algum tempo que fizesse uma nova entrada, pelo que fui levado a ir buscar um poema que fiz há algum tempo (sim, admito, sou daqueles infelizes que também fazem poemas…), e que se chama, muito apropriadamente, Educação. Espero que vos apele minimamente, por mais discordante que seja das habituais convenções poéticas (mas isso é o meu estilo… já sabem que gosto de discordar de convenções, não sabem?), e por menos valor artístico que nele possam detectar (valor artístico esse que é francamente subjectivo, mas pronto). Ora aqui vem ele.

Educação
E pensar
Que entrei
Numa quase perfeita
Inconsciência
Nessas portas escondidas,
Não das ilícitas e carnais,
Mas das metafísicas e transcendentais,
Onde residiam o que julgava serem segredos ancestrais,
Mas que se revelaram como pouco mais
Do que meras mentiras originais,
Ensinando-me a esquecer,
Esquecendo-se de me ensinar,
Enquanto pretendiam ser
A melhor forma de se estar,
A melhor forma de se viver,
A melhor forma de se levar,
A melhor forma de acabar
Esta curta, tão curta, vida
Que, sendo nossa para dispor,
Fazemos de outros,
Fazemos voluntariamente de outros,
Só por lhes darmos a primazia
De definir a ilegítima regulamentação
Que comprime e constrange
E condiciona e conspurca
A nossa própria essência,
Mas a que todos chamamos
Educação…
Sim, como rebanhos, entramos,
Em turmas, em salas, em aulas,
Em trabalhos, em testes, em tormentos,
Tornando-nos instrumentos,
Tornando-nos meros instrumentos,
De planos e vontades e conluios alheios,
Aceitando, com a placidez resignada
Que só psicoactivos diversos nos concederiam,
Que nos moldem as mentes,
Que nos moldem as convicções,
Que nos moldem as impressões,
Que nos moldem os corações,
Para o que mais lhes convém,
Para o que mais lhes agrada,
Para o que mais nos reduz
Ao mero papel de servos,
De engrenagens partidas
Nesta maquinaria infernal,
Corroída até ao osso
Por séculos e séculos de ferrugem,
Aceitando, por isso,
Reduzir-nos a uma insignificância
Que nos atribuem mais do que nos atribuímos,
E recusando,  
Recusando terminantemente,
Reconhecer o nosso potencial de mudança.
Mas avançamos.
{Como soldados intrépidos
(Ou intensamente manipulados),
Marchamos, corajosos, contra o inimigo,
Contra um inimigo que, em vez de invisível,
Opta por ser inatingível,
Tornando-se todos os que vemos,
Tornando-nos todos ele,
Mas que nós vemos
Como o amigo simpático e bondoso
Que, de mão estendida,
Nos vem ajudar a levantar
Dos carris de comboio onde caímos
(Só para depois nos colocar no chão
E fazer de nós seu tapete),
Levando-nos para longe dessa morte
(Mas para mais perto de uma outra,
Morte de honra,
Morte de ideia,
Morte de pensamento,
Mais grave que a mera
Morte de corpo e alma
Que o comboio,
Que afinal é Destino e Natureza,
Guardava para nós),
Para um sítio quente e confortável
(Que afinal é só a sala dos fornos
Onde nos cozinhará, na grelha,
Para nos servir, como banquete,
Aos subalternos que traz para casa,
Subalternos que mandam quase tanto nele
Que parece que são eles que mandam nele,
Ainda que tudo isso
Seja só um mero estratagema
Para assegurar que é mesmo ele
Que manda nele,
E que manda neles),
Como um abraço maternal e carinhoso
(Só que a mãe dele não era mãe,
Era uma coisa muito pior que isso,
Rapariga latina,
Meretriz por gosto e lucro,
Sim, a mãe dele,
Dele, ou melhor, dela,
Sim, dela,
Porque o ele era ela,
Porque o ele era a sociedade,
A mãe dela,
A mãe da sociedade,
Era uma meretriz,
Uma vulgívaga,
Uma prostituta,
Uma pega,
Uma vaca,
Uma rameira,
Uma… Sim,
Todos sabem do que é que falo,
A sociedade é filha disso mesmo).
Então,
Avançamos,}
Suportamos,
Aguentamos,
Traçamos um rumo de futuro,
Um futuro arrumado,
Porque arrumados estamos todos nós
Por apenas seguirmos o mesmo rumo
Que todos nós,
E que todos os outros antes de nós,
Tiveram a ausência de espírito de seguir,
E suportamos as imposições que nos fazem
Como se de gentilezas se tratasse.
E não acordamos.
E não mudamos.
Mas alguém gosta disto?
Serei eu o único que olha,
Que olha em volta e vê
Que tudo está mal,
Que tudo deve ser mudado?
Sou eu o único que, dormindo,
Estou acordado?
Será esta minha
Quase perfeita
Inconsciência
Muito mais atenta
Que a vossa
Mal sustentada
Consciência?
Ou não?
Não sei.
Por enquanto,
Deambulo,
Deambulo no pensamento,
Porque não o posso fazer em mais lado algum,
Deambulo no pensamento,
Para me mostrar
(E, sub-repticiamente,
Para lhes mostrar,
E para vos mostrar)
Que sou diferente,
Que não me ajeito,
Que não aceito
Essa vossa maravilha,
Esta minha porcaria,
Essa vossa perfeição,
Esta minha ignóbil convenção,
Esse vosso paradigma,
Esta minha revolução,
A que vocês
(Eu é que não)
Chamam educação.

Nota: Caso se venha a dar alguma forma de declamação pública deste poema (pela parte da minha pessoa ou de qualquer outra), sugiro que, para melhor compreensão dos ouvintes, se omita o excerto delimitado entre chavetas, porque o seu sentido só é verdadeiramente apreendido quando lido e não quando ouvido…



   Sei que isto não agradará a todos os leitores (aliás, provavelmente até desagradará a muitos!), mas foi para aqui que estava virado. Enfim… critiquem à vontade, já sabem, e, se puderem e quiserem, sugiram-me novos temas, que isto está difícil…

   Bom, até à próxima entrada, que espero que seja já em prosa…

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