29 de junho de 2016

Assuntos Tripartidos

   Antes de mais nada, quero apresentar os meus mais sinceros pêsames a todos os alunos por aí e por aqui que tiveram o desprazer de realizar os exames nacionais; não poderia continuar a escrever se não o dissesse. Ora bem, pelo título, creio que já vos dei a entender, caros leitores, que esta não é uma entrada exactamente normal. Bom, no fundo, nenhuma o é, até porque a normalidade é um conceito unicamente artificial e arbitrário, mas esta segue um modelo completamente diferente das outras (o que não é, de modo algum, intrinsecamente negativo…), no sentido em que aborda em simultâneo (ou melhor, sequencialmente…) três temas que se revelaram relativamente relevantes no âmbito da educação nestes últimos tempos (e para os quais arranjei alguma treta para dizer, que é o mais importante…). Portanto, e se me permitem a heterodoxia estrutural (termo que, embora pareça, em nada está relacionado com questões religiosas diversas… é uma heterodoxia no sentido figurado…), teremos três subtextos de seguida, três análises que, admito, serão relativamente abreviadas, mas acabam por ser o melhor que se arranja. Ora aí vêm…



I – Da Ressalva do IAVE

   Pouco tempo antes de se iniciar oficialmente a época de exames, os mui nobres e gentis senhores do Instituto de Avaliação Educativa, vulgo IAVE, vieram tranquilizar as indubitavelmente inquietas multidões de estudantes prestes a realizar qualquer um dos exames com a muito preciosa ressalva de que não haveria surpresas e o grau de dificuldade iria ser o mesmo. Esta é precisamente a primeira coisa que quero abordar.

   Bom, num certo sentido, e se formos na já mais que velha cantiga de que os exames são bons e necessários et cætera, e que são um instrumento importantíssimo para avaliar o conhecimento dos alunos, é mais do que positivo que o grau de dificuldade se mantenha, para que a avaliação do conhecimento dos alunos seja mesmo o mais fiável possível, de modo a que, de ano para ano, não haja injustiças.

   Mas sejamos realistas: os exames não servem propriamente para aferir o nível de conhecimento dos alunos, conforme já aqui se provou inúmeras vezes, e vir o IAVE dizer que serão iguais aos anteriores é – como  me lembrei logo de dizer assim que vi esta comunicação – estarmos nós acorrentados numa cave, onde, de temos a tempos, uns loucos /sádicos/psicopatas/serial killers macabros/captores cruéis/seja o que for aparecem para nos torturar, e ter vindo um desses torturadores à porta, lá em cima, posto a cabeça de fora e anunciar-nos, num tom de voz simpático e relaxante: “calma, tenham calma, meninos, que a gente já vos vem torturar, mas são as torturas a que já estão habituados, está bem?” Completamente tranquilizador, não é?

   Esta minha metáfora (mais que) ligeiramente estúpida à parte, importa mesmo frisar que anúncios e informações destas… enfim… são dispensáveis. É que, por um lado, o grau de dificuldade de dois conjuntos de exercícios nunca é igual (a não ser que os exercícios sejam exactamente os mesmos e aqueles que os fazem também: a dificuldade resulta não só da tarefa efectuada, mas também de quem a efectua…), e, por outro lado, também se está, de certa forma, a condicionar previamente aquela que seria a apreciação, ou, mais correctamente falando, o parecer que as várias associações de professores viriam a fazer dos exames (que, diga-se de passagem, e sem ofensa para ninguém, tendem a não ser propriamente tão rígidos quanto o IAVE o é nos critérios de correcção… ainda que, por vezes, haja umas – bem necessárias, convém acrescentar – ferroadazitas!).

   Mas pronto. Já falaram eles, já fizemos nós, e dia 13 de Junho logo haverá mais gente a reflectir sobre o grau de dificuldade dos exames… O problema é que é sempre o mesmo: só contestamos, só nos mexemos, quando nos toca directamente a nós…



II – Da Defesa da Escola Pública

   Um pouco mais recentemente que isto, vários autores de blogs do âmbito da educação (eu não!) publicaram um manifesto que afirmava a sua luta, e pretendia exortar os leitores a lutarem também, em prol da escola pública, defendendo, também, a gratuitidade do ensino, a adaptação das escolas às necessidades dos alunos e das comunidades e outras coisas.

   Ora bem, já analisei anteriormente as questões do público e do privado, nomeadamente aqui, mas não me coibirei de dizer que esta questão, à parte politiquices e ideologias diversas, é mais um bom exemplo do divide et impera em acção, concentrando as energias de pais e professores (e, em menor escala, alunos) no confronto directo dos apoiantes da perspectiva oposta em termos de público e privado para mais facilmente se deixar passar os grandes erros, as grandes falhas do actual sistema de ensino.

   Todo o debate e toda a reflexão (e, logicamente, toda a controvérsia também…) acerca do ensino acaba por constituir mais uma oportunidade para que se detectem e corrijam os problemas de que padece o sistema de ensino, mas o problema é que esta questão rapidamente descamba num debate sobre política e/ou economia… É claro que cada um tem direito às suas reivindicações, e os que agem no intuito de melhorar as coisas (como provavelmente será o caso dos subscritores do manifesto) devem ser louvados, mas talvez não estejam a agir da forma mais adequada para o conseguirem…

   Assim sendo, diria eu que, mais do que defender a escola pública, há que melhorar a escola em geral. E já sabem como, não é? Mini-Ciclos de Leccionamento!



III – Dos Contestatários dos Calendários

   Chegámos ao tema final, que, por acaso, diz respeito a uma forma de contestação. Que novidade, não é? Mas, para variar, esta contestação é alheia e não minha: trata-se exactamente do facto de, assim que são divulgados os calendários de um novo ano lectivo, haver sempre gente que se manifesta negativamente.

   Não me interpretem mal: nada tenho contra qualquer forma de contestação (à parte aquelas que prejudiquem injustamente outros seres…), e, aliás, até acho que se deveria contestar mais, contestar mais coisas, contestar mais frequentemente… A minha única questão é mesmo o facto de, como também se passa no assunto anterior, essas energias contestatárias estarem, muito provavelmente (e, mais uma vez, sem ofensa para ninguém), a ser mal empregues. É claro que podemos – e devemos – sempre manifestar o nosso descontentamento para com qualquer decisão (sobretudo para com aquelas em cuja tomada não temos qualquer parte activa…), mas torna-se mais eficaz se lutarmos pelo direito de sermos nós a tomar essa decisão.

   Para isso, e neste caso em particular, creio haver essencialmente duas opções: ou se tenta tornar a elaboração do calendário do ano lectivo um processo mais democrático, em que os pais e encarregados de educação possam ter alguma coisa a dizer (juntamente com os professores e os alunos…), ou se tenta mudar o sistema de ensino para alguma coisa que que possibilite aos alunos e respectivos pais ou encarregados de educação uma muito mais flexível selecção dos períodos de férias. E, se este último caso traz consigo o inconveniente adicional (não me lixem… que raio de inconveniente é este?) de introduzir várias alterações (que tão bem sabemos serem necessárias) no status quo, o primeiro também não é propriamente ideal, porque, mesmo numa democracia, há sempre vozes discordantes, e, logicamente, não se acabaria com a contestação. Assim, acho que o caminho deve estar mais ou menos traçado, não? Mais uma vez, Mini-Ciclos de Leccionamento!

   Um pouco paralelamente a isto, surgiu, também, uma sugestão ou uma recomendação, por parte de associações diversas de professores ou de directores, se não me engano, para que se passasse a efectuar a avaliação semestralmente. E quase que poderia fazer todo um outro subtexto sobre isto, mas, tendo esta nova subdivisão proposta todo a ver com a estruturação temporal do ensino, enquadra-se bem aqui.

   Sinceramente falando, a minha primeira reacção quando soube disto foi: “Mas que raio?” Está bem, eu percebo que, matematicamente falando, e admitindo que se seguem, na íntegra, as fórmulas e as folhas de cálculo que tanta gente gosta de brandir como escudo e/ou arma de arremesso, o resultado final vai dar ao mesmo (porque a nota final terá, em princípio, em conta a totalidade do ano lectivo…), e também entendo a questão de alunos em vias de chumbo no segundo período ficarem desmotivados e não fazerem nada no terceiro, mas pergunto-me para que é que tal mudança serviria…

   Tudo bem que isto implica menos reuniões e menos burocracias, o que é sempre um aspecto positivo, mas, por outro lado, isto também pode reduzir o feedback professor-aluno, no sentido em que, não havendo notas do segundo período, pode ser mais difícil o aluno detectar se está a ter problemas em acompanhar a matéria, o que pode fazer piorar a sua nota final. Nota essa que, como digo várias vezes, não reflecte adequadamente o nível de conhecimento dos alunos, pelo que isto tudo se torna uma não questão, já que qualquer divisão da avaliação é estúpida, por também ser estúpida a própria avaliação, e o sistema de ensino ideal seria (pelo menos, para mim…) os (já muito falados nesta entrada, como em quase todas as outras…) Mini-Ciclos de Leccionamento, onde a desmotivação seria mínima e os anos lectivos se tornariam um conceito do passado…



   E pronto, é isto, é esta a heterodoxia estrutural que eu tinha prometido. Sei que não é nada de espectacular, mas dêem-me um bocadinho de tolerância… ou, se assim o preferirem, sugiram-me temas bons e interessantes para abordar…

   Seja como for, obrigado por terem passado por cá, fiquem bem, contestem sempre o mais que possam, e até à próxima entrada…

Sem comentários:

Enviar um comentário

Este espaço está à disposição de todos os leitores, seja para elogiar, seja para criticar, seja para, pura e simplesmente, comentar. O autor reserva para si o direito de responder conforme tenha disponibilidade.