7 de junho de 2016

Das Perspectivas Educativas

   As minhas mais cordiais saudações a todos os leitores. Como talvez tenham mais ou menos adivinhado, ou assim não tanto, enfim, apesar das duas entradas de há duas semanas, tenho andado um pouco falto de temas. Já conhecem bem o fenómeno, a inspiração transviada, a mistura pouco explosiva mas muito nociva de excesso de vontade de mudar o actual sistema de ensino e de falta de vias de acção imediatas para mudar o actual sistema de ensino, e tudo o mais, e tudo isto a resultar em entradas… da treta. Como esta. Enfim, no meio das nenhumas opções que tinha, esta que me surgiu pareceu ser a menos má: vou falar-vos de uma certa tendência que desde há algum tempo tenho vindo a verificar, em tudo quanto seja debate ou reflexão sobre o ensino, e que é a de se estabelecerem duas facções, ou duas correntes de pensamento, com ideias e tendências aproximadamente opostas.

   De um lado, temos aqueles a que, sem ofensa para os referidos ou para os referentes, gosto de chamar (semi-)humoristicamente “hippies educativos”. É aquele grupo de pessoas que defende uma visão holística para o ensino, ao abrigo da qual se deveria dar primazia à cidadania, às preocupações ambientais, ao trabalho em equipa, à criatividade, à aquisição e/ou ao desenvolvimento de competências pessoais, à resolução de problemas e a coisas afins, tudo isto com aulas mais livres, com uma relação aluno-professor mais directa, tendo o aluno tendencialmente maior autonomia para definir o seu currículo em consonância com o professor e/ou havendo grupos de trabalho mais ou menos individualizados, em que vários alunos com interesses/tendências/capacidades semelhantes trabalham uns com os outros para aprender. Será, pois, algo mais ou menos no seguimento da Escola da Ponte.

   Do outro lado da barricada, estão aqueles a que, com espírito e intenção semelhantes (e, portanto, também sem querer ofender), tenho por hábito chamar “burocratas totalitários”. De uma maneira geral, são aqueles que insistem na santidade dos valores do trabalho, do empenho e da dedicação dos alunos, bem como no valor inalienável, absoluto e absolutamente obrigatório do rigor, da rectidão, da exigência e da objectividade, defendendo, por isso, um sistema de ensino bastante semelhante ao actual, em que tudo são notas, testes, exames, avaliações, medidas, números, cobrindo todas as eventuais falhas na argumentação ou na própria ideia com a sempre falaciosa (mas sempre utilizada) referência ao (aparentemente incontornável) facto de todos sermos avaliados ao longo da vida, ou uma qualquer barbaridade semelhante.

   Os leitores que me perdoem por não ter tido a imparcialidade necessária para não deixar transparecer o facto de esta última corrente me parecer muito mais errada, ou, no mínimo dos mínimos, muito mais prejudicial do que a primeira, mas também devo dizer que, como sempre, não me enquadro propriamente em nenhuma delas. Já sabem porquê, não é? Ou não? Enfim, não sei se vos interessa, mas, pronto, vou partir do princípio que vos interessará minimamente, porque, caso contrário, faria pouco sentido ter escrito isto tudo…

   Bom, antes que deambule demasiado por estas vias do pensamento negativo, vou retomar o tema. Independentemente dos possíveis argumentos a favor de cada uma das perspectivas (que eu até poderia tentar dar, se não se desse o caso de sofrer da grande falha que é não conseguir argumentar em prol daquilo em que não acredito), não podemos negar que, em ambos os casos, há um fundamento muito lógico para ambas as atitudes. Por um lado, para que todos possamos conviver em sociedade, torna-se mais ou menos essencial que sigamos um certo conjunto de regras e princípios, e, nesse sentido, percebe-se que se os queira transmitir de uma forma mais ou menos garantida e sistematizada, via sistema de ensino; o problema é que há uma linha muito, muito fina entre instrução benfazeja e condicionamento quase orwelliano… e também não nos podemos esquecer de que, no fundo, o propósito do ensino é a tal história de ensinar, leia-se transmitir conhecimentos racionais, e não propriamente o de educar, isto é, transmitir valores e conhecimentos/capacidades mais subjectivos. Por outro lado, também se percebe que se queira garantir que todos os alunos efectuaram as aprendizagens que deveriam ter efectuado, para que não haja falhas de conhecimento que os possam prejudicar em aprendizagens e/ou tarefas futuras; o problema é que, conforme já disse mais vezes do que as que me apetece contar, os testes e os exames e essas tretas todas não reflectem adequadamente o nível de conhecimento dos alunos, e, além disso, avaliar umas matérias em particular em nada contribui para as ensinar melhor, já que o ano continua e vêm mais matérias pela frente. Assim, em ambos os casos, podermos dizer, ou direi só eu porque sou só eu que estou a escrever isto, que se está a tentar fazer uma coisa boa, mas não pelos meios mais apropriados. Então, o que poderemos, ou deveremos, fazer?

   Para mim, a resposta é clara: simultaneamente alterar radicalmente o actual sistema de ensino de modo a implementar os nossos amigos Mini-Ciclos de Leccionamento, ao abrigo dos quais só se veria reconhecido que se aprendeu uma matéria se, de facto, se a tiver aprendido na sua totalidade (assim seguindo a intenção original dos “burocratas totalitários”), e, com base nisso, fazer com que o sistema de ensino ocupe uma menor porção do tempo dos alunos, levando a que tenham mais tempo de convívio e de interacção com os mais diversos elementos da sociedade, assim potenciando a transmissão – até de uma forma mais natural – dos valores e dos princípios essenciais à coexistência pacífica com os restantes seres humanos, bem como as competências de socialização, de cidadania, de criatividade e tudo o mais (satisfazendo, assim, as preocupações dos “hippies educativos”). E isto, pelo menos, para mim, afigura-se-me como uma terceira corrente, uma terceira postura, que, na mesma veia pouco cómica dos nomes anteriores, poderei dizer ser a dos “revolucionários de bolso”, porque, no fundo, será isso que somos, todos nós (sejamos quantos formos…) que acreditamos nesta questão dos Mini-Ciclos. Mas nada melhor que uma revolução de bolso para melhorar o mundo!

   Pronto, já sei o que vão dizer. “Tanta coisa para ir dar ao mesmo. Mini-Ciclos de Leccionamento para aqui, Mini-Ciclos de Leccionamento para ali, este gajo não sabe falar de mais nada!” Bom, não vos posso contradizer: vou sempre parar aos Mini-Ciclos de Leccionamento, de facto, e reconheço que até parece que não sei falar de mais nada. E, se calhar, até nem sei. É que, se me perdoam a convicção, não encontrei, até agora, uma alternativa melhor, ou mais agradável, ou mais funcional (pelo menos, na minha projecção mental das coisas) que os Mini-Ciclos de Leccionamento, e, nesse sentido, sou levado a defendê-los e a promovê-los sempre que posso. Se, algum dia, chegar à conclusão de que há uma alternativa melhor, então, passarei a defendê-la tão acerrimamente quanto defendo os Mini-Ciclos, mas, até ver, não desistirei deste esforço de mudança. E peço-vos a vós, leitores, que também não desistam de tentar mudar o mundo para melhor!

   Até à próxima entrada…

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