15 de setembro de 2014

Discordo do Acordo...

   Nesta segunda entrada deste blog, permito-me abordar um tema deveras controverso e polémico, ainda que relativamente recorrente na opinião pública. É isso. O leitor adivinhou: o Novo Acordo Ortográfico. É certo que se trata de um tema que já foi abordado múltiplas vezes, e, não sendo eu um gramático nem um estudioso da língua de qualquer outro género, quaisquer comentários não têm nenhum tipo de valor oficialmente reconhecido, pelo que o que farei terá, à partida, efeitos nulos. Mas antes criticar do que calar, antes dizer do que reprimir, e, além disso, mais vale adquirir o hábito da crítica logo no início deste blog do que iniciar com transigência e passar gradualmente para a intransigência; assim, serei fiel à minha intenção original e criticarei...

   A primeira crítica terá de ser a expressão já quase estereotipada de que se trata de um acordo mais político do que verdadeiramente linguístico. O que não percebo bem é como é que é político, se Portugal foi praticamente o único país a acarinhar esse projecto e a impô-lo na Administração Pública (e no Ensino). Talvez fosse uma tentativa falhada de aproximação ao povo irmão do Brasil (mais primo que irmão para mim, já que, quando muito, um dos "pais" será irmão de um dos nossos "pais", mas isso é outra história...). Para mim, não me importaria se houvesse (como ainda há) duas grafias grandemente diferentes do Português, uma europeia e outra... bem, americana. Já que o Brasil fica na América. Na do Sul, mas América ainda assim. Se os conhecedores das especificidades da linguagem Anglo-Saxónica bem se recordam, seria um sistema semelhante ao Inglês Americano versus o Inglês Britânico. Mas talvez seja eu que penso mal... e isso seria má ideia.

   No entanto, não fico por aí. Como observador um pouco externo a todas as características da evolução linguística, e como alguém com tendência para reflectir sobre assuntos diversos, não posso deixar de pensar que as evoluções de uma língua surgem gradualmente, com a passagem do tempo, com alterações do património sócio-cultural, com a derivação do seu significado, enfim... através de várias coisas. Mas (quase) sempre lenta e gradualmente. Ora bem, se a evolução da língua (e talvez seja importante referir que uso esta expressão para designar não só uma evolução em termos fonéticos, mas também em termos ortográfico-gramáticos, que, apesar de tudo, me parecem estar associados) se efectua de um modo mais ou menos natural, afigura-se-me ilógico provocar uma alteração (embora somente ortográfica, mas, ainda assim, uma alteração) de um modo puramente artificial. Talvez aqui me pudessem dizer que, pelo meu raciocínio, ainda se escreveria pharmácia em vez de farmácia, entre muitas outras coisas, já que também era errado o acordo de 1945, e todos os outros antes dele; no entanto, só não advogo o regresso à ortografia "arcaica" porque praticamente todos os falantes de Português actualmente vivos já foram educados nesse acordo; assim, como o "mal" já está feito, temos é de garantir que não se piora. Ou seja, resumindo este parágrafo talvez excessivamente extenso, é errado fazermos a língua evoluir porque, por esta ou aquela razão, nos convém, pelo que é errado o acordo.

   Além disso tudo, não posso deixar de referir todas as incongruências associadas ao acordo. É preciso ir mais longe do que cor-de-rosa ficar cor-de-rosa, mas cor-de-laranja passar a cor de laranja? É certo que a hifenização nunca foi um dos directórios mais bem organizados da nossa gramática, mas é mesmo necessário mudar para o mesmo tipo de problemas? Uma vez mais, talvez seja só defeito meu. Enfim... não tenho bem a certeza, mas o problema deve ser mesmo meu...

   Poderia continuar aqui a escrever muito mais sobre o Novo (Des)Acordo Ortográfico, mas não posso. Não é minha intenção quebrar o recorde para a entrada de blog mais longa... Só não posso deixar de referir que, mesmo que o Acordo estivesse correcto (coisa que penso não estar), a forma como foi posto em prática não é, nem nunca poderia ser, correcta. Nunca se poderia impor um sistema como que unilateralmente e para todos, mesmo para aqueles já fora da idade escolar, que, por isso, em princípio já não teriam a necessidade de interiorizar novos conhecimentos em termos gramaticais, excepto naquilo que se relacionaria com a sua actividade; se, e é um grande se, estivesse correcto, penso que só poderia ser aplicado a todos aqueles que iniciassem o percurso escolar (neste ou noutro sistema) nesse mesmo ano. Assim, se as coisas tivessem sido feitas como penso que deveriam, só daqui a uma ou duas gerações se poderia adoptar essa norma enquanto oficial e correcta.

   Enfim, já me alonguei demasiado. Resta só desejar um bom dia a todos os leitores (se os houver). Aceito, como espero sempre poder aceitar, quaisquer comentários que possam ter acerca disto (ou relacionados com isto).

7 comentários:

  1. Também eu não concordo com o AO e considero-o uma trapalhada. Alguém quis que fosse assim e pronto. Os interesses económicos existentes na negociação de coisa tão aberrante não deve ser assunto de somenos. O que lhes havia de dar na cabeça de dizerem que se deve escrever tal e qual como se pronuncia, deitando abaixo as consoantes mudas!... Mas só algumas. Mas já ouvi dizer que no Brasil há um grupo, comissão ou coisa que o valha que querem a escrita conforme a oralidade, levada mesmo muito mais a sério, digamos, levada ao extremo. Acham que se devia escrever qe = que, aver=haver, otel=hotel e assim por diante...
    A mim o acordo parece-me feito por gente que não sabe nada da "poda" ... mas cala-te boca, pois quem ouve a argumentação de defesa dalguns dos seus defensores, eles estão carregadinhos de razão. A razão está toda do lado deles...

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    1. Obrigado pelo comentário. Desconhecia essa iniciativa do outro lado do oceano, mas deixo uma sugestão a essa organização: fazerem variar a grafia de acordo com a região, ou de quem escreve. Assim, sim, seria uma verdadeira revolução (ou "rebuluçãoue", ou "révulução, né, cara?", ou algo assim), e não apenas uma alteraçãozita menor. Enfim. As coisas que mais me entristecem, verdadeiramente, são estas tentativas (bem-sucedidas, infelizmente) de delapidação do património linguístico português, talvez uma das poucas coisas ainda aproveitáveis neste país...
      Mas, por voltar a falar no acordo, também já ouvi dizer que se tratou de uma tese de doutoramento ou algo assim, uma proposta académica e hipotética, mas que foi encontrada e adoptada por alguém que a considerou uma ideia genial. Adoptá-la é que foi a ideia genial, isso sim... e impô-la sem consultar a população. Mas a culpa, em última análise, recai sobre todos os implicados (portanto, todos os portugueses que saibam - e queiram - ler e escrever) que aceitaram e/ou acataram essa decisão como algo inevitável, mesmo não concordando com ela. A língua é, afinal, dos falantes, e não dos mandantes. Assim, bastaria os falantes (ou, neste caso, os "escreventes"), mais ou menos unidos, mais ou menos ao mesmo tempo, protestarem contra as alterações impostas pelos mandantes para que o acordo caísse. Em teoria. Talvez acabe por haver um Português oficial, concordante com o AO, e um Português mais ou menos clandestino, anti-AO, como em tempos houve o Latim erudito e o Latim popular (dentro do género). Ou, então, talvez rebente uma guerra civil entre "acordistas" e "anti-acordistas", lutada nas trincheiras dos teclados e das folhas de papel, com tiros de tinta e de grafite... ou talvez lutada a sério...
      Bom, não me alongarei mais. Uma vez mais, obrigado por se ter dado ao trabalho de comentar este meu texto que talvez não sirva para nada, mas que, ao menos, já foi lido. É quanto basta, para mim.

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  2. Boa noite. Esta é a prova de que ainda há gente acordada que discorda do acordo.
    Ainda vamos ter que nos movimentar...

    Cumprimentos

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    1. Mas, desculpe, li imensa coisa, aqui na Net, de gente bem colocada e anti-acordo, que refere que o mesmo vai baixar à Assembleia da R. Fiquei na expectativa, mas entretanto nunca mais li nada. Houve inclusive uma petição (em papel) que atingiu número suficiente para o assunto ser discutido p/ AR.

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    2. Suponho que fale da petição em http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=DPAO2013. Que, aparentemente, ainda não deu em nada, ou foi protelada, segundo li algures na rápida pesquisa que fiz. E que tal se se fizesse muito mais barulho, e que tal se houvesse manifestações em grande escala, e afins? Ah, não, agora não pode ser, que está mau tempo, e, no Verão, não deu, que a praia e as férias foram muito mais agradáveis.. Enfim, a passividade do costume. Ainda bem que ainda há quem se interesse, e que se dê ao trabalho de ler textos destes, ainda para mais de um leigo, e de os comentar...
      Com isto, quero dizer: "Obrigado a ambos pelos comentários respectivos!"

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  3. Creio que não era essa petição, não sei...Assinava-se uma folha que aparecia em PDF e enviava-se para uma cx postal com cópia do BI. Conseguiu. um elevado nº de assinaturas, muito mais do que essa que refere.

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  4. Nesse caso... tenho alguma pena de não a ter podido assinar... ainda que não tenha dado em nada... Obrigado, uma vez mais, por ter o cuidado de me responder.

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