23 de setembro de 2014

Sobre o Ensino da Filosofia

   Após uma ligeira pausa, por motivos simultaneamente anímicos e de falta de tempo livre, faço hoje uma nova entrada, sobretudo para garantir que este blog não está morto. Não tenho muito tempo nem grande assunto (nem em termos de críticas, nem em termos de sugestões), mas tentarei arranjar qualquer coisa. O quê? Bem, acho que vou buscar uma ideia de entrada na qual já tinha vindo a ruminar há algum tempo: o ensino da Filosofia. É um assunto que, apesar de tudo, ainda é importante e significativo, sobretudo se a ideia é desenvolver uma juventude (e futura sociedade) ideologicamente desenvolvida e activa. Que, muito provavelmente, não é, pelo menos para os poderes instituídos, para os lobbies e para as demais entidades parasíticas do bem comum que se têm vindo a acumular com a degeneração do propósito inicial do estabelecimento desta sociedade. Mas não é este o assunto.

   Hoje, quero falar da forma como é ensinada (e, talvez, percepcionada) a Filosofia. A organização do programa, regra geral, está feita de modo a recompensar a memorização, em detrimento do raciocínio e do conhecimento verdadeiro, coisa que já referi; esta disciplina não escapa a isto. A maioria do tempo é gasto (não apenas utilizado) na explanação de diversas teorias de diversos filósofos ao longo dos tempos; é, depois, essa matéria que acaba por ser avaliada através dos (indesejáveis) testes.

   Ora bem, de um ponto de vista conservador e (vamos ser sinceros) mesquinho, está tudo muito bem. Que mais é preciso? Já falámos de Platão, e Aristóteles, e Kant, e Descartes, e Nietzsche, e Stuart Mill, e outros que tais, já falámos do Determinismo, do Racionalismo, do Utilitarismo… Enfim, que mais se pode pedir?

   Para os que não se aperceberam, era uma tentativa de ser irónico. Obviamente que o conhecimento das teorias que outros desenvolveram permite melhor fundamentar e situar as nossas próprias ideologias, ou, então, permite-nos achar correspondências entre nossos pensamentos e os de pensadores influentes do passado (e do presente), mas não me parece que seja mesmo isso a Filosofia. Talvez eu esteja a ser demasiado influenciado por Sócrates (o filósofo), mas, quando penso em Filosofia, penso logo numa assembleia de livres-pensadores que se juntam numa área de lazer semi-florestada de algum tipo (um jardim, um parque, ou algo assim), de toga, para debater assuntos das mais diversas naturezas. Sem a parte da cicuta para quem lidera, modera e estimula a discussão, claro.



   Resumindo e concluindo tudo isto, até porque não tenho muito mais tempo, a Filosofia deveria ser quase inteiramente composta por debates e por uma reflexão mais ou menos liberta dos condicionalismos do que é politicamente correcto ou socialmente aceitável, sendo a avaliação efectuada através da "qualidade" da reflexão e da fluidez e validade da argumentação. Quem achar o contrário, que comente. Quem achar o mesmo, que comente também. Quem não achar nem uma coisa nem outra, comente ainda assim. Resto de um bom dia a todos.

6 comentários:

  1. Para começar tenho de felicitá-lo pela criação deste blog. Este país precisa de mais jovens com interesse em serem pro-activos no que respeita a comunicar e resolver os problemas do sistema educativo vingente.
    No que respeita a esta entrada em particular, concordo com a necessidade de utilizar a disciplina de filosofia como um espaço de desenvolvimento do pensamento próprio e espírito crítico e tal deve ser incentivado, a meu ver com discussões na sala de aula, trabalhos individuais escritos e uma componente na avaliação escrita presencial (testes). No entanto não pode ser descurada a análise da evolução do pensamento filosófico.
    Para fazer filosofia é necessário compreender primeiro as questões com que esta se debate, e para que todos os conceitos encerrados nestas sejam apreendidos, é necessário por vezes explicitar certas dicotomias que são realçadas nas teorias clássicas sobre o tema. Estas são em muitos casos teorias completamente ultrapassadas, no entanto mesmo isso é positivo pois as falhas não são muito difíceis de ser apontadas e debatidas o que permite desenvolver o pensamento do aluno. Além disso, estudar e aprender um tema, por uma ordem semelhante à histórica da criação de um conceito é usualmente bastante pedagógico, já que os problemas que neste caso os filósofos queriam resolver/explicar são facilmente compreendidos pelo aluno pois não é necessária uma grande bagagem conceptual para os compreender.
    Em abstracto, pedagogia à parte, o que pretendo transmitir é que quando se estuda uma determinada disciplina, há que aproveitar os milhares de anos de desenvolvimento que os nossos antepassados nos facultaram sob a forma de conceitos, estes devem ser apreendidos de forma a continuarmos a evoluir na área e não ficarmos presos em problemas do passado.

    Gosto imenso do blog que criou, uma vez mais os meus parabéns e continue com o bom trabalho.

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    1. Antes de mais, muito obrigado pelo seu comentário; os elogios que me dirige honram-me e alegram-me.
      Esta entrada foi, talvez, um pouco apressada, e, por isso, não pude ser tão descritivo quanto queria. Não renego todo o contributo dos pensadores passados, nem sugiro que os seus pensamentos devam pura e simplesmente ser ignorados, mais que não seja porque, conforme o refere, são um bom ponto de partida para a reflexão; apenas considero que, hoje em dia, vigora bastante a ideia de que saber Filosofia consiste, na sua maioria, na leitura de textos de filósofos, e isso é algo que não posso aceitar. Isso não é Filosofia, é só conhecimento de Filosofia. Não é possível haver uma procura do conhecimento unicamente através das palavras de outrem; a isso, penso eu, chama-se religião e/ou idolatria, não Filosofia…

      Mas, já que referiu os testes (ou, como os designou – numa expressão para mim até agora desconhecida –, a avaliação escrita presencial), permita-me dizer-lhe que, se a componente principal desses testes se prendesse, de facto, com a produção de textos de cariz filosófico, não haveria grande problema; no entanto, quando os principais exercícios se prendem com a interpretação textual, é mais um teste de Português/Língua Portuguesa do que de Filosofia… E o pior é a existência de questões de escolha múltipla (algumas das quais, pelo menos nos testes que me foram feitos, não propriamente sobre a Filosofia, mas completamente filosóficas; por exemplo, uma prendia-se com o facto de a Filosofia ser ou não ser uma ciência – questão que, segundo sei, é fonte de debate entre os filósofos).

      Em todo o caso, se se trata verdadeiramente de assuntos filosóficos, a existência, ou não, de teorias anteriores acaba por ser mais ou menos indiferente à procura da resposta a essas questões, no sentido em que não há, nem nunca haverá, uma resposta bem definida (porque, se houvesse, não seriam, penso eu, verdadeiramente filosóficas, mas antes do domínio científico). Claro que, conhecendo as teorias anteriores, o indivíduo poderá construir alguma nova a partir delas ou encontrar novos argumentos a seu favor, pelo que a sua apresentação não deve ser descurada. O que não se deve fazer é considerar essencial e indispensável conhecer a fundo um conjunto mais ou menos restrito de teorias, independentemente da opinião do indivíduo em relação a elas, e testar esses mesmos conhecimentos das teorias, sem ter em conta a sua inegável subjectividade e incompletude.

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  2. A Filosofia é fundamental, pelo menos eu assim a considero.Não sei como ela é dada, mas julgo que não tem um estatuto elevado, comparada com os outros ramos do saber ensinados nas escolas. Posso estar enganado, não sei ... Julgo que o que ela deve ser é ensinar as pessoas a pensar. Pensar criteriosa e organizadamente e, sem vícios de pensamento ou construção de ideias.

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    1. Deveria ser mais ou menos essa a ideia ("ensinar as pessoas a pensar", como o diz e bem), em vez do que é agora... Quanto à sua reputação, afigura-se-me que não lhe dão muito destaque nem muita importância (pelo menos, segundo a minha experiência pessoal).
      Uma vez mais, obrigado pelo seu comentário, Cisfranco.

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  3. NSF. Deixou o endereço do seu blogue na Logosfera, agradeço-lhe, agradeço-lhe o pensar de novo, ou pensar pela primeira vez, ou pensar, apenas, a Filosofia. O texto que coloquei ultimamente, escrito na década de 60 por Jaspers, com cerca de 50 anos, portanto, poderia dar o mote. É da condição desta disciplina ser aquilo que não parece ser, isto é, os filósofos são os seus construtores, ou melhor filosofam, mas parece que essa obra é de pouco valor e é, se a encararmos como uma série de opiniões ditas por alguém que teve acesso, por conhecimento ou por mestria, à comunicação, que quis comunicar algo que todos se julgam igualmente aptos a fazer, com igual mestria e com igual valor.Façam-no então mas sujeitem-se ao mesmo "desprezo".O pior de todos sermos filósofos é a arrogância de pretender da Filosofia uma troca de ideias comuns, feitas ao calor da bica, mas isso é também o melhor, a sua acessibilidade ao que em nós é o pensamento dialogante sobre os assuntos mais gerais e essenciais que todos os filósofos ensinam mas que não está acabada. Tenho esperança que nos vá visitando. Helena Serrão

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    1. Antes de mais nada, gostaria de referir, e com todo o devido respeito, que, se alguém deixou o endereço do meu blog no seu, não fui eu, pelo menos, tanto quanto me lembre. Em todo o caso, agradeço-lhe por se ter dado ao trabalho de ler o meu blog, e de comentar esta entrada. Em relação ao que afirma, tenho de sublinhar que não é, nem nunca foi, a minha intenção retirar valor aos filósofos que se dão ao trabalho de (ou, como seria mais apropriado dizer nalguns casos, se arriscam a) escrever textos do domínio filosófico; a minha intenção é meramente contestar a noção de que esses mesmos textos são o elemento central, essencial, fulcral, inevitável e incontornável da Filosofia, quando, na realidade, ou melhor, segundo a minha opinião, o que é central e incontornável é a reflexão sobre os mais diversificados assuntos.
      Em todo o caso, também manifesto a esperança de que esta entrada tenha, mais ou menos, suscitado o seu interesse para este meu blog, e que o vá visitando de vez em quando.
      Com os melhores cumprimentos,
      NSF

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