23 de agosto de 2017

Da Cultura na Escola

   Caros leitores, após mais uma imperdoável ausência, pude encontrar em mim um tema para aqui abordar. E, antes de prosseguir para a sua análise, gostaria de deixar um convite a quem quer que seja que ainda passe os olhos por estas palavras, para sugerirem, se os tiverem e se acharem por bem divulga-los, eventuais novos temas, pelas vias providenciadas nos Contactos, a ver se estas ausências se encurtam!

   Pois bem, já tenho mencionado abundantes vezes que um sistema de ensino tem como principal propósito transmitir conhecimentos, e até já dediquei toda uma entrada a analisar e reflectir precisamente sobre isso. Porém, um aspecto que nunca abordei directamente, ou, pelo menos, não de uma forma que considere satisfatória, foi o do conjunto de informações e conhecimentos que dizem respeito à cultura, particular ou geral, dos alunos, e que, quer queiramos, quer não, acaba por ser mais ou menos essencial para que se exista verdadeiramente como indivíduo e cidadão.

   Recorrendo às classificações genéricas e generalistas apresentadas na entrada das Perspectivas Educativas, trata-se de uma temática a que nem hippies educativos, nem burocratas totalitários se furtam, englobando-a, no primeiro caso, mais intensamente, no segundo, em menor escala, no normal decorrer do processo de ensino. Ao abrigo dos Mini-Ciclos de Leccionamento, porém, não me parece tão fácil (ou tão lícito) incluir esse tipo de conhecimentos, posto que acarretam uma visão muito mais holística do conhecimento humano (o que, diriam alguns, só demonstra uma falha dos Mini-Ciclos, e que posso eu mais fazer do que encolher os ombros e discordar respeitosamente?), que dificilmente se coadunaria com o resto do processo de ensino-aprendizagem.

   Porém, como comecei por dizer, a cultura faz falta. Que sentido faria ensinar aos alunos as Ciências, as Línguas, as técnicas das Artes, e milhentas outras coisas, mas não lhes transmitir qualquer noção emocional, instintiva, não racional do Mundo e das coisas? Seria o mesmo que criar robots (ou, para os mais desligados dos condicionalismos do mundo real, vulcanos…), e isso é fundamentalmente inadmissível. O que quer dizer que tem de haver algum tipo de garantia de que a cultura não é esquecida.

   A resposta mais importante, mas também mais imediata (e menos intrusiva no funcionamento projectado deste sistema de ensino…), seria a de que se trata de um processo que deve ocorrer essencialmente ao nível social e não escolar, e, aliás, tem sido sempre essa a solução que tenho proposto para o problema. Agora, porém, após ter reflectido mais um pouco sobre o assunto, chego à duplamente preocupante conclusão de que, por um lado, isso talvez não seja suficiente, e, por outro lado, talvez não passe de uma forma assaz confortável de desconsiderar o problema, removendo-o do âmbito do assunto em análise (que sempre foi o do ensino e não o da sociedade, como é óbvio).

   Nesse sentido, não poderei dizer que basta confiarmos naqueles que rodeiam os alunos (por outras palavras, nas suas famílias) para lhes transmitirem tudo isso, até porque poderão não ser os indivíduos mais capacitados para o fazer – nem, de resto, faz grande sentido exigir que o sejam. Porém, também não creio que possamos pura e simplesmente atirar a cultura para o meio dos conhecimentos a adquirir e dar o problema por resolvido, mais a mais porque constitui um tipo de conhecimento que dificilmente poderemos ver como… verificável, o que quer dizer que, à partida, não há grande forma de garantir que se aprendeu toda a cultura que se quis transmitir, o que quer dizer que será sempre uma componente à parte do resto do ensino. Isso não nos pode impedir, porém, de a tentar transmitir na mesma, e vejo essencialmente três vias para o fazermos.

   Em primeiro lugar, não obstante o facto de ser insuficiente basearmo-nos nos que estão mais próximos, não é despiciendo tentar tornar a sociedade, no seu todo, mais aceitadora, acolhedora e promotora da cultura do que é hoje em dia (pelo menos neste recantozinho da Europa…), aumentando a disponibilidade, a acessibilidade e a aceitação dos mais variados eventos culturais. Em segundo lugar, e no seguimento dessa tendência, também faz sentido tentar estimular que, no decurso do processo de ensino-aprendizagem, e, claro, desde que apropriado, sejam feitas, por parte do professor, algumas referências ou explicações culturais (por exemplo, no decurso de uma qualquer abordagem das questões da impulsão e da flutuação, ser relatada a história de Arquimedes e da coroa do governante de Siracusa), mas sempre – e é importante frisar isto muito bem – sem prejudicar a transmissão dos conhecimentos por causa disso. Atrever-me-ia a dizer que, nalguns casos, a inclusão deste tipo de referências até pode ser uma estratégia pedagogicamente eficaz para potenciar o interesse e a curiosidade dos alunos, e, de resto, também albergo a esperança de que, com ou sem qualquer iniciativa oficial nesse sentido, fossem muitos os professores que o fizessem por si mesmos, quer pelo puro gosto de ensinar coisas novas, quer pelo colorido acrescido que este tipo de informações confere à matéria.

   Em terceiro lugar, e, talvez, com maior importância, talvez não fosse má ideia estabelecer algum tipo de programa de dinamização cultural a nível nacional, eventualmente em espaços pertencentes às escolas, ao abrigo do qual, num qualquer segmento do seu horário que talvez pudesse ser especialmente designado para tal (eventualmente coincidente com o período de reposição de que já antes falei, sendo ocupado caso haja essa necessidade?), os alunos poderiam participar numa vasta gama de actividades (de acordo, claro está, com as possibilidades da zona…) de natureza cultural, quer no sentido de receberem cultura, quer no sentido de a produzir, quer no sentido de a transmitir a outros. Claro está, tudo isso teria de ser feito da melhor forma possível, fazendo as coisas de modo a retirar todo e qualquer pendor oficial, obrigatório, aborrecido, da cultura, e a apresentá-la como uma coisa lúdica, agradável e importante, que o é…

   No meio disto tudo, haveria – como, de resto, há na maioria das questões relacionadas com o ensino – o risco de que este tipo de abertura para falar de uma vasta gama de assuntos pudesse ser aproveitado para propósitos de condicionamento e manipulação. Sendo a sociedade o que é, sendo a humanidade como é, há fortes probabilidades de isso acontecer (como, de certa forma, já acontece…), mas cabe a todos nós tentar pugnar para que assim não seja, agora e sempre. Mais a mais, nem sequer falar de cultura seria uma outra forma de manipulação, porventura ainda mais sinistra, por trazer consigo o espectro da desumanização, da construção de uma sabedoria largamente maquinal, que, sabendo, mas não reflectindo nem sentindo, mais facilmente realiza as tarefas que lhe são atribuídas e mais dificilmente pára para pensar em como as coisas deveriam ser, mas não são, ou em como as coisas são, mas não deveriam ser… E é esse o tipo de futuro, e é este o tipo de presente, que é nosso dever tentar evitar.

   E com estas palavas de aviso me despeço, até à próxima entrada…

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