22 de dezembro de 2015

Da Separação dos Poderes Educacionais

   Já por diversas vezes expressei a minha vontade de não trazer para este blog qualquer tipo de reflexão de ordem político-partidária, não só por ser plenamente apartidário, mas também por não ser esse o tema do blog. Porém, há certos assuntos da Educação com implicações políticas (mais significativas, leia-se, já que, em última análise, poderíamos afirmar que praticamente tudo o que fazemos tem uma qualquer implicação política) que não posso deixar de abordar só pelo facto de assim serem. O assunto que escolhi para esta entrada é um desses casos.

   A quem pertence o ensino? Pergunta vagamente estúpida, admito, e ainda mais confusa e irrelevante, mas, ainda assim, tentemos responder-lhe. Ora bem, se tivermos em conta aquela perspectiva de que o ensino deverá servir para transmitir conhecimentos racionais, poder-se-á dizer que que dirá respeito maioritariamente àqueles que transmitem os conhecimentos (professores) e aos que os recebem (alunos); juntamente com estes, teremos também de considerar todos os restantes que, embora não intervindo directamente nesse processo de transmissão e recepção, ainda assim acabam por ser essenciais para permitir que esse processo ocorra (pessoal não docente). Só que não podemos ignorar que todas estas pessoas estão inseridos num grupo mais vasto, o da sociedade, pelo que quaisquer coisas que os afectem irão, em última análise, afectar toda a sociedade; mais a mais, os conhecimentos transmitidos são, dentro do género, importantes para que os indivíduos desempenhem (ou não) funções futuras (e abster-me-ei, pelo menos por agora, de emitir juízos de valor relativamente a esse facto, decorrente da actual organização social…), pelo que, por esta perspectiva, também se acaba por concluir que o ensino diz respeito à sociedade no seu todo. Fica, assim, estabelecido que o ensino é de todos nós, e isto só nos pode levar a concluir que todos deveríamos poder ter algo a dizer relativamente a ele. Não, calma, ainda não vou para a pregação do costume…

   Bom, se todos deveríamos ter algum poder de decisão no âmbito do ensino, e se este, de facto, é relevante para a totalidade da população, parece fazer sentido que os processos decisivos estejam desligados de quaisquer interesses políticos, ficando, por isso, a cargo de uma entidade exterior ao governo, independente deste. Poder-se-ia objectar que, não tendo essa entidade fins lucrativos, estará sempre dependente do financiamento que o estado lhe poderia atribuir (o que levaria a que o estado a pudesse controlar na mesma), mas, mesmo sendo as coisas como são agora, já há essa particularidade, pelo que não estaríamos a originar novas indesejabilidades (ainda que estivéssemos a manter as que já existiam, o que, por si só, não é desejável, mas enfim…). Semelhantemente, também devido aos fins estritamente não lucrativos de qualquer entidade decisora no âmbito do ensino, a não intervenção política nessa entidade poderia levar a que os interesses puramente comerciais se tornassem mais preponderantes e pronunciados (em vez da forma sub-reptícia com que afecta a política), mas esta situação (além de, em parte, já ocorrer actualmente) será, em teoria, suplantada ao se fazer com que os eventuais cargos relevantes nessa entidade sejam desempenhados por pessoas escolhidas e não propriamente nomeadas (e isto tem a vantagem adicional de impedir que as nomeações variem consoante o panorama político, o que tornaria a entidade reguladora do ensino incrivelmente semelhante a um ministério, pelo menos nesse aspecto…).

   A questão será mesmo como se poderá efectuar essa escolha. Idealmente, dever-se-ia ter por base o mérito e a competência dos indivíduos, mas, sendo a aferição (sem trocadilhos, está bem?) destes aspectos extremamente difícil, sob diversos pontos de vista (e por diversos motivos), ter-se-á de recorrer, à falta de melhor, a algum tipo de sufrágio. Mas, para assim ser, teremos, também, de tentar definir, de uma forma que dê azo a limitada celeuma, quem deverão ser os eleitores. Logicamente, todos aqueles que fazem parte do funcionamento do sistema de ensino deveriam poder votar (falo, portanto, de alunos, encarregados de educação, pessoal não docente e professores, para os enunciar alfabeticamente ordenados). No entanto, tendo em conta que nem todos os alunos terão propriamente a capacidade de tomar essa decisão com pleno conhecimento de causa, há que, de alguma forma, estabelecer um limite mínimo de idade; não diria que fosse necessária a maioridade, apenas a maturidade, ainda que aferi-la seja muito subjectivo… talvez, não sei, 10 anos ou declaração de familiares ou psicólogos em como a pessoa em causa está apta? Bom, não interessa muito, é mais uma especificidadezinha organizacional, que não tentarei, pelo menos por agora, desenvolver. Voltando à questão dos votantes, creio ser importante deixar, também, a ressalva de que qualquer outro cidadão (que não esteja contemplado no grupo anterior, é claro) deverá poder, mediante um qualquer tipo de inscrição oficial, fazer também parte do grupo dos eleitores, já que, como comecei por dizer, o ensino diz respeito a todos.

   Mas estes votantes não deverão, a meu ver, desempenhar unicamente o papel de eleger pessoas para cargos diversos na entidade reguladora; deverão, também, participar em processos decisivos mais específicos, mediante alguma espécie de plataforma electrónica (eventualmente associada àquela que contém a matéria e os exercícios nos Mini-Ciclos de Leccionamento), que possibilite, de alguma forma, expressarem a sua opinião relativamente a assuntos de alguma importância. Não, não é propriamente para decidirem se se adquire um rolo adicional de papel higiénico para reabastecer as casas de banho da EB2,3 de Cascos de Rolha, mas também não lhes podemos negar a possibilidade de afectarem processos decisivos mesmo que apenas moderadamente importantes, ainda que esta classificação seja subjectiva, claro… Talvez o melhor fosse mesmo dar-lhes a possibilidade de se expressarem, de se manifestarem de uma maneira significativa, no sentido de afectar todas e quaisquer decisões que lhes possam interessar (em última análise, já o podemos fazer, mas… bom, não de uma forma que impacte directamente os processos decisivos…), exactamente através da plataforma informática de que antes falei.

   Bom, disse já tanta coisa, mas chego à conclusão de que o que disse é pouco menos que irrelevante, quando se tem em conta toda a infinidade de mudanças de que o actual sistema de ensino precisa tão desesperadamente. Mas, ainda assim, a criação de uma entidade reguladora do ensino exterior ao governo acaba por garantir escolhas (mesmo que marginalmente) melhores no âmbito da educação, por possibilitar uma maior constância das práticas positivas (por não ocorrer aquela situação, para alguns bastante negativa, para mim não mais que o resto do actual sistema de ensino, em que um ministro da Educação recentemente eleito desfaz, sem grande razão aparente, grande parte das medidas do seu antecessor), bem como, simultaneamente, uma mais rápida eliminação das práticas negativas (por não se ter de aguardar pela queda ou fim do mandato do governo para mudar as perspectivas das “cabeças pensadoras”, já que, e agora o acrescento, os votantes também poderiam, caso essa perspectiva fosse a maioritária, exigir a substituição de um qualquer membro da entidade por uma outra pessoa; além disto, e como já disse, também estaria na mão dos votantes intervir nos processos decisivos). Mas pronto. Esta reflexão tornou-se mais política, mais politizada e mais politizante do que pretendia, além de mais inútil e inconclusiva do que o que seria desejável, e, por isso, sou levado a apresentar-vos as minhas desculpas, caros leitores.

   De qualquer das formas, Boas Festas, caso considerem esta uma época festiva, Boas Férias, se as tiverem agora, ou Bom Dia (ou Tarde, ou Noite), se nenhuma das anteriores se aplicar. Eu por aqui me fico, deixando-vos, como de costume, o espaço de comentários, para fazerem o que bem entenderem com ele.

2 comentários:

  1. Boa tarde e parabéns por mais uma reflexão plena de profundidade.
    O que me parece é que mais uma vez seriam as forças dominantes a dominarem.
    Tudo o que referere tem a ver com condição humana e com a forma como indivudualmente aceitamos,toleramos e ignoramos o modo como os vários poderes nos governam.
    O ensino será sempre uma forma de formatação enquanto a maioria aceitar e até desejar ser formatado.

    Mais uma vez agradecido pela sua escrita luminosa.

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    1. Caro Anónimo,

      É precisamente pelos factos que refere (a tendência da maioria a deixar-se moldar) que aqueles que têm em menor escala esse desejo de se moldar se devem esforçar no sentido de evitar que isso ocorra. É certo que não é fácil, é certo que, como diz e bem, essa formatação também provém da natureza humana (sendo, portanto, praticamente impossível de eliminar), mas, se a causa é justa, o esforço não é em vão. Ou, pelo menos, é isso que digo para mim próprio quando me deparo com a monumentalidade da tarefa que é tentar melhorar os erros que vemos à nossa volta… Mas pronto.

      Obrigado pelos elogios que me tece e por ter comentado. Boas festas, se festejar esta época, ou apenas boa tarde para si também, se não a festejar.

      Com os melhores cumprimentos,
      NSF

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