11 de abril de 2016

Da Arte (e) do Ensino, Do Ensino (e) da Arte

   Antes de mais nada, bom dia a todos os leitores. Agradeço-vos por, mais uma vez (ou, se for esse o caso, pela primeira vez), dedicarem uns momentos do vosso tempo a ler estas palavras que aqui escrevo. É uma coisa de que me costumo esquecer (aliás, é uma coisa de que me esqueço quase sempre…), agradecer-vos por me lerem, mas hoje fi-lo. Ora bem, without further ado, como diria um qualquer anglo-saxão, prossigamos para o tema que adoptei, que é precisamente o da questão de se englobar a arte no âmbito do ensino (ensino artístico), e dos eventuais prós e contras de tal prática.

   Ora bem, convenhamos, em última análise, toda e qualquer informação passível de ser adquirida pelo ser humano é digna de nota e, por extensão, digna de ser transmitida através do ensino, o que só nos poderá levar a concluir que, ao fim e ao cabo, até que é desejável ensinar arte. Aliás, se formos a pensar bem, a arte também acaba por desempenhar um papel, mesmo que minimamente, importante na vida de cada um de nós (no nosso bem-estar mental, se assim o quisermos dizer), e, nesse sentido, fará todo o sentido que promovamos a arte.

   Só que temos um problema: será que podemos mesmo transmitir arte, será que é possível ensinar alguém a fazer arte? Muita filosofia se poderia fazer a partir desta interrogação, mas, de uma maneira geral, sinto-me inclinado a dizer que não. É que, mais que não seja, pela minha experiência pessoal (pouco válida do ponto de vista argumentativo por ser pouco representativa do que poderá ser a experiência de todos, mas enfim…), sou levado a pensar que a arte não resulta do seguimento de um conjunto de passos específicos, estilo receita de culinária, mas sim de um conjunto de sensações, intuições e inspirações de génese e natureza mais ou menos metafísicas, tendo, portanto, um elevado carácter subjectivo e, sobretudo, pessoal. Ora, mesmo não admitindo que isto assim o é de uma forma radical, dificilmente se poderá dizer que, conhecendo todas as técnicas de pintura de Van Gogh, por hipótese, e utilizando materiais (tela, tinta, pincéis…) idênticos aos dele, teremos todas as condições para fazer arte, bastando, para tal, pintar. Ou, para vos dar um exemplo alternativo, não é por conhecermos todas as mais diversas formas de poesia, das mais familiares, como os sonetos, às mais exóticas, como o asefru (forma de poesia originária da Cabília, no norte da Argélia), que poderemos fazer arte. Tudo isto para dizer, portanto, que a arte não surge da técnica por si só.

   Claro, nisto tudo está subentendido o facto (até agora não enunciado, fosse lá porque fosse… perdoem-me a falha, mas não consigo reunir em mim a vontade de reformular tudo o que escrevi até agora…) de que só a técnica poderá ser transmitida directamente, via ensino. A parte mais subjectiva pode ser mais ou menos estimulada, de uma forma ou de outra, mas isso não significa que se a possa transmitir da mesma forma que a técnica. E isto deixa-nos em que posição? Afinal, se não se pode transmitir arte, e se até que seria bom se transmitíssemos arte, estamos mais ou menos condenados a falhar. Apesar de isso ser uma condição praticamente intrínseca à existência…), e, em particular, à existência humana (pergunto-me se não inteiramente coincidente com ela), a falha é uma coisa, por definição, indesejável, pelo que não poderemos deixar as coisas neste estado. Teremos, então, de arranjar uma solução.

   E essa solução teria mesmo de passar por uma acção mais ou menos bipartida, que a alguns leitores talvez já fosse óbvia: por um lado, tentar fazer com que a sociedade, no seu todo, promova e incentive a produção artística (ainda que isto seja uma daquelas coisas mais fáceis de dizer do que de fazer, sendo que, para ser feita em condições, exigiria uma sociedade bastante diferente da actual, com outro tipo de estruturação e organização, mas não vale a pena – pelo menos, por agora – ir por aí…), e, por outro lado, recorrer ao ensino para transmitir precisamente as técnicas da produção artística (na vagamente infundamentada esperança de que isso possa, também, permitir aos alunos desenvolver o apreço e a prática da arte).

   Mas atenção: estas técnicas seriam transmitidas sempre com a precisa ressalva de que se trata única e exclusivamente de técnicas artísticas, não se garantindo, nem exigindo, de modo algum, que os alunos produzam arte. Isto apaziguaria, logo à partida, algumas mentes mais indignadas pela sua produção artística nula, ou quase nula, mesmo depois de verem reconhecido que dominam uma ampla gama de técnicas artísticas, além de deixar bem claro a alunos e professores o que raio se está ali a fazer (o que, e não me posso impedir de o dizer, corresponde, nalguns casos, ou talvez até em muitos, a “nada”, para ambos os grupos…). É certo que renomear o que hoje seriam cursos artísticos (ou de artes, que não será exactamente a mesma coisa…) soa um pouco àquelas reorganizações político-administrativas que deixam tudo igual, mas com letreiros pintados de fresco, simbologias novas e aumentos das remunerações dos administradores, mas só assim poderemos ser explícitos no que dizemos, sem ambiguidades interpretativas que poderiam deitar esta intenção de transmitir arte a perder.

   Adicionalmente, esta designação é meio caminho andado para impedir que mentes mais brilhantes decidam avaliar os alunos precisamente pela componente artística das tarefas que desempenham (não tenho bem a certeza do quão recorrentes são, serão ou seriam estas situações, mas alvitraria que serão tudo menos inexistentes…); em vez disso, a avaliação (não bem avaliação, mas verificação…) ocorreria exclusivamente com base no facto de o aluno ter conseguido, ou não, aplicar os princípios por detrás da técnica em causa, apenas no intuito de garantir que ele, de facto, adquire essa técnica. Claro, isto nunca nos impediria de estimularmos os alunos a fazer obras de arte (nem os impediria de as fazer, com ou sem as técnicas adquiridas…), e permitiria garantir que ninguém sairia prejudicado por o seu sentido artístico contrastar ou colidir com o do professor. É certo que também poderíamos estar a abrir as portas a uma certa pragmatização (indesejável, diga-se de passagem) da arte, ao apenas exigirmos aos alunos que adquiram e apliquem determinadas técnicas, mas, repito, a ideia do ensino “artístico” seria ensinarem-se técnicas de produção artística e não ensinar-se a fazer arte em si (porque, também o convém repetir, a arte não é uma coisa propriamente transmissível).

   Mas escusado será dizer (pelo menos, para os leitores mais habituais, que já deverão saber o que esperar daqui…) que isto tudo, ao abrigo do actual sistema de ensino, não faz muito sentido, porque, por um lado, talvez nem todos os artistas de uma dada área estariam interessados em aprender as mesmas coisas, pela mesma ordem (por exemplo, tocar piano e tocar clarinete são duas coisas bastante diferentes, e não tão indissociáveis assim…), e, por outro lado, nem todos os artistas estariam interessados em ter, por arrasto, uma batelada de outras matérias, menos artísticas, que lhes seriam impostas caso todo o ensino artístico fosse englobado no ensino normal, e, por outro lado ainda (há-de se tratar de um triângulo, porque tem três lados…), talvez houvesse quem quisesse complementar perfeitamente a aprendizagem artística com uma outra aprendizagem mais científica, ou humanística, ou seja o que for, e não o poderia fazer por ter de escolher uma e uma só via. Nesse mesmo sentido, e também porque o actual sistema de ensino não apresenta exactamente os melhores instrumentos de avaliação, faria mais sentido que tudo isto ocorresse de acordo com os Mini-Ciclos de Leccionamento, que garantiriam precisamente a flexibilidade necessária a tudo isto correr bem; claro, no caso das actividades que se intersectem com outros conhecimentos (surge-me a arquitectura, vagamente relacionada com engenharias diversas), a interligação entre ambos é favorecida por esta organização.

   É certo que isto pode ser uma mudança pouco significativa, no cômputo geral, mas, se aproximarmos (mais ainda) o ensino de todas estas técnicas artísticas – literárias, musicais, dramáticas, fotográficas, cinematográficas, e por aí fora – daquilo que é hoje o ensino “regular”, mainstream, se assim preferirem, sem marginalizar os estudantes que as desejem aprender, só estaremos a contribuir para aumentar o prestígio dessa actividade, afinal importante, mesmo que amiúde esquecida, que é o de fazer arte. Além de que, ao tornarmos estas áreas verdadeiramente iguais às outras, com perfeita aceitação social e sem estigmatizações diversas dos seus estudantes, também estaremos a aumentar a flexibilidade e a liberdade na escolha dos conhecimentos, o que é sempre um bom objectivo, porque, diga-se o que se disser, ninguém aprende bem contrariado.

   E creio que será isto. Os leitores que me perdoem a eventual insignificância do tema e/ou a superficialidade da abordagem, mas mais não pude fazer. Se tiverem alguma sugestão, algum reparo, alguma crítica ou alguma opinião que queiram expressar, estejam à vontade (como sempre) para usar o espaço de comentários, ou, se preferirem contactar directamente comigo (com o autor), as possibilidades apresentadas nos Contactos.

   Uma boa semana a todos e até à próxima.

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