17 de setembro de 2016

Breve Apontamento de Duas Mudanças Medianamente Mediáticas

   As habituais saudações a todos os leitores. Trago, desta vez, mais uma vez, uma coisa ligeiramente diferente do habitual; não é que seja tão inovadora assim, porque, enfim, já cá se fez parecido, mas também não é o texto (comprido) do costume: são dois textos (talvez um pouco menos compridos…) na temática do costume (que outra poderia ser?), sobre dois temas particulares que, de uma forma ou de outra, se me afiguraram como dignos de atenção, até porque, de certa forma, tiveram vaga cobertura mediática.



I – Da Gratuitidade Bibliográfica

   Como o título um pouco obscuro pretende indicar, a primeira coisa de que falarei será o facto de os manuais escolares do 1.º ano (e, posteriormente, do 1.º ciclo) virem a ser gratuitos.

   Ora bem, não podemos ser intrinsecamente maldizentes; há que admitir que a ideia, em si, até que é louvável. Afinal, se o ensino deve ser tendencialmente gratuito e tudo o mais, faz mais do que sentido que se arranje uma forma de eliminar o custo (aparentemente) inevitável dos manuais escolares.

   Porém, também não podemos ser ingénuos ao ponto de afirmar que está tudo bem, e, sobretudo, que está tudo bem feito. Por um lado, há aquele pequeno grande pormenor de haver mais anos de ensino para além do 1.º (ciclo), nos quais os manuais também deveriam ser gratuitos; é certo que isto é só um começo e que não se pode exigir logo tudo, sobre tudo quando o aspecto financeiro da coisa vem à baila, mas não acho que nos devamos contentar em ficar só por aqui… Por outro lado, estaríamos muito iludidos se disséssemos que esta medida contribui significativamente para reduzir e eliminar os lobbies e os poderes económicos associados à educação (nomeadamente o das editoras, mas não só…), visto que só os manuais em si serão gratuitos – o que quer dizer que ainda há uma vasta gama de livros de fichas, de apoio ao estudo, de preparação para isto e para aquilo, e por aí fora, com os quais muito boa gente (e gente não tão boa assim…) pode fazer muito bom dinheiro – e ainda há uma vasta gama de outros materiais – ainda para mais na primária – que podem ser pedidos (às vezes até com marcas específicas…); claro, a medida ajuda a reduzir esta exploração, mas, convenhamos, não a faz desaparecer da noite para o dia, e, tendo em conta a própria natureza das entidades envolvidas e do seu modo de actuar, pergunto-me se, no fundo, não acabarão por sair a lucrar disto tudo…

   Pois bem, já deitei o suficiente abaixo, agora é tempo de reconstruir. Que poderíamos fazer para melhorar esta iniciativa? Diria que duas, uma relativamente interligada com a outra. Já sabem que sou a favor do uso de tecnologias no âmbito da educação, e espero que saibam igualmente que, ao abrigo do paradigma alternativo de ensino que apoio e defendo, haveria a tal plataforma on-line com toda a matéria; com Mini-Ciclos de Leccionamento ou sem Mini-Ciclos de Leccionamento (embora prefira a primeira opção…), acho que esta é uma boa ideia, só pode ser uma boa ideia, até porque providenciamos um suporte comum a todas as escolas, o que ajuda a dissipar diferenças, sem ter um custo tão elevado assim (só a elaboração e a manutenção dos sistemas informáticos necessários). Paralelamente a isto, em vez de se gastar o dinheiro dos contribuintes para pagar os livros directamente às outras (saber-se-á lá com que margem de lucro para elas…), e na eventualidade de a adopção de uma plataforma on-line não ser possível, ou não ser desejada, o Ministério da Educação poderia editar os seus próprios manuais, de acordo com as indicações programáticas e tudo o mais, que passariam a ser os oficiais (o que também traz consigo um grande risco de manipulações e condicionamentos diversos em prol do Estado e do status quo, mas tal, no fundo, já se passa, mesmo havendo editoras independentes e privadas…).

   Então, quanto a esta questão dos manuais escolares, creio estarmos conversados.



II – Da Autonomia das Escolas

   Esta segunda questão, a da autonomia das escolas, já vem, a meu ver, um pouco lá de trás, desde os tempos da Municipalização do Ensino, no sentido em que esta já preconizava que as escolas (ou melhor, seriam as câmaras municipais responsáveis pela sua gestão, mas vai dar um pouco ao mesmo…) poderiam decidir sobre parte do currículo. Ora bem, seja como for, agora é certo que podem decidir sobre 25% do currículo. E eu, enfim, fui levado a tentar avaliar (sem trocadilhos…) essa situação.

   Em primeiro lugar, o lado positivo: se as escolas podem decidir sobre o currículo, mesmo que só em parte, estamos a dar um passo (nem que seja um passito…) na direcção da flexibilidade, que é, como acho que já disse várias vezes (e como transparece através do sistema de ensino alternativo que defendo…), de extrema importância na melhoria dos processos de ensino-aprendizagem; por outro lado, como a decisão sobre estes assuntos será efectuada a nível local, há a possibilidade de melhor se adaptarem as coisas às características e necessidades dos alunos da escola e da região, o que, obviamente, também contribui positivamente para a eficiência e eficácia desses mesmos processos de ensino-aprendizagem.

   Porém, há também um lado negativo: tal como na municipalização do ensino, se o processo decisivo for efectuado a nível local, corremos sempre o risco de subjugar demasiadamente o ensino àquelas que serão as actividades presentes na região (ainda que o limite dos 25% contrabalance isso um pouco), o que, embora possa facilitar questões laborais diversas, acaba por prejudicar a prossecução de muitos sonhos; um pouco em paralelo com isto, também aumentamos a diferenciação entre regiões, e, aliás, entre escolas, o eu só vem tornar (ainda) mais ridículo aquele aspecto – já de si bastante ridículo – de se aplicarem provas de aferição e exames para garantir a uniformidade dos conhecimentos dos alunos (no sentido em que é totalmente incongruente encetar algumas medidas para uniformizar e outras medidas para diferenciar…); por fim, como em todas as descentralizações, esta autonomia abre o caminho para que, havendo mais cabeças a pensar, haja mais cabeças a pensar mal, agravando mais ainda o problema que já havia de quase nunca nem sempre os decisores decidirem bem (mais a mais porque, calculo eu, sejam raros os casos em que a totalidade da comunidade escolar – alunos, funcionários, pais/encarregados de educação e professores, por ordem alfabética para não discriminar ninguém – vá ser verdadeiramente auscultada relativamente às decisões a tomar no âmbito do currículo, que, logicamente, também lhe dizem respeito e afectam significativamente a sua vida…).

   Assim sendo, parece-me que esta medida talvez venha estragar mais do que o que melhora. Flexibilizar currículos é bom, sim, mas total e não parcialmente, descentralizando as coisas a tal ponto de a decisão caber ao utilizador final (leia-se: do aluno) e não tanto no sentido de ficar nas mãos de figuras hierárquicas apenas um pouco mais distantes do poder central. Mas não vamos por aí, que só há mesmo um sítio onde iremos (ou, pronto, irei eu) parar…



   E foi isto. Talvez até tenha ficado uma entrada demasiadamente grande, peço desculpa por isso, mas, enfim, foi o que me deu na gana fazer. E eu gosto sempre de aproveitar a inspiração (quando vem), para que ela não me abandone tão depressa… Enfim, lirismos à parte, espero que não tenha sido totalmente desinteressante nesta minha abordagem e que tenham minimamente conseguido relacionar-se com o que escrevi; seja como for, não se acanhem, expressem a vossa opinião, de forma fácil e (se o desejarem) anónima, algures entre os comentários e os Contactos.

   Fiquem bem e até à próxima entrada…

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