14 de setembro de 2020

Um Regresso… Atribulado

   Caros leitores, eis que regresso. Sacudo o pó a estas páginas há muito abandonadas, tiro as teias de aranha dos cantos da contestação, lavo o bolor do pensamento crítico e limpo as vidraças da escrita, se me permitirem a série de metáforas mais ou menos despropositadas. É certo que a vida, quer a nível académico, quer a nível pessoal, não me tem permitido escrever tanto quanto queria, aliás, não me tem permitido escrever de todo, mas desejo que tivesse podido ser de outro modo. Em retrospectiva, talvez um blog estritamente sobre o ensino não tenha sido a mais feliz das escolhas para garantir a máxima disseminação das perspectivas que advogo, e a minha vontade de me manter exclusivamente nesta temática talvez seja contraproducente para a sua visibilidade, mas isso traz a preciosa vantagem de esta minha ausência pouca diferença ter feito a fosse quem fosse a não ser eu mesmo, visto que poucos eram os que me leriam e, de resto, também pouco seria de interessante o que não disse…

   Enfim, e eis que começa mais um ano. Da escola, e deste blog. O sexto. Nem sequer me atrevo a comentar a frequência expectável das novas entradas, mas quero aproveitar os momentos que dedico a elaborar este texto para fazer uns comentários há já muito devidos.

   Nesta altura, é escusado dizer que o Mundo está numa situação deveras complicada. É mais escusado ainda dizer que, face à incerteza que se apresenta para o futuro, seria muito pouco razoável afirmar que reestruturações do ensino têm algum tipo de prioridade; não deixo de defender o que sempre defendi, mas confesso que, entre uma emergência médica (e a expectável emergência social e económica decorrente de todas as perturbações que a vida até agora considerada normal tem sofrido…) e o facto de o actual sistema de ensino estar longe do ideal, este último problema é… mais do que secundário.

   No entanto, não poderia deixar de reflectir um pouco sobre tudo o que se passou neste último ano lectivo. Se a adopção mais ou menos imediata e sem grandes hesitações do ensino à distância foi, a meu ver, bastante positiva (embora não me possa coibir de comentar que só assim foi por não haver mesmo nenhuma outra alternativa viável), também não posso deixar de atribuir a devida relevância ao argumento de que pôs em causa a igualdade de circunstâncias, em primeiro lugar por nem todas as famílias terem os meios tecnológicos necessários para os moldes em que o acompanhamento à distância teve de ser feito (ainda que se possa e deva contra-argumentar que esse é um problema que não resulta do ensino à distância em si, mas de circunstâncias sócio-económicas diversas, que também interessa resolver, e que, aliás, deveriam ser resolvidas, mais que não fosse providenciando computadores a preços mais baixos ou condições de pagamento mais comportáveis, como já se fez no passado e não sei se ainda se fará…), e, em segundo lugar, por o tipo e a frequência do apoio a que diferentes alunos tiveram acesso por parte dos familiares não ser o mesmo. Parece-me, porém, óbvio que estes problemas não são nem exclusivos, nem característicos do ensino à distância em si; é verdade que este os exacerba, mas essa igualdade de circunstâncias já não se verificava sequer no ensino presencial.

   Também curiosa foi a situação dos exames nacionais. Os resultados foram… surpreendentes, no mínimo, e confesso que talvez devesse ter analisado os enunciados para fazer uma ideia mais concreta do grau de exigência, mas deixarei isso, se os eventuais leitores me perdoarem a procrastinação, para uma eventual ocasião futura; enfim, por uma questão de princípio, não posso deixar de ficar agradado por se ter tentado ter em atenção as circunstâncias extraordinárias e não dificultar a vida a quem já tinha tido um ano difícil, mais ainda quando essa compreensão vem de uma entidade que, de um modo ou de outro, será vista por poucos alunos como particularmente dada à simpatia (o IAVE), mas tenho alguma dificuldade em conciliar isso com o rigor e a intenção nivelatória que tipicamente são apontados como as principais razões por detrás da existência dos exames nacionais. Para não falar da eventual desigualdade de circunstâncias em relação a outros anos lectivos passados (e, eventualmente, a anos lectivos futuros)…

   Por fim, acho que há uma questão incontornável, infinitamente debatível e debatida, que também não posso deixar de referir: a da segurança dos alunos neste regresso às aulas presenciais. Não sou, obviamente, profissional de Medicina, muito menos virologista, e por isso mesmo não opinarei sobre que medidas deveriam ou não ser tomadas; no entanto, seria ingénuo não dizer que há um forte interesse, sobretudo em termos políticos e/ou de motivação da população, em não quebrar mais esta rotina, em retomar esta nesga de normalidade, talvez a despeito do que a cautela exigiria que se fizesse. Para ser muito sincero e tecer um comentário tangencial ao ensino, preocupa-me sobretudo o período de incubação da doença, que poderá levar a que o verdadeiro impacto deste regresso às aulas no número de infecções só se comece a verificar daqui a alguns dias, os suficientes, suspeito, para que novos surtos surjam antes de serem tomadas as devidas medidas para os mitigar, o que, se o juntarmos ao que parece ser a tendência que se verifica nos restantes países da Europa para o aumento do número de casos, talvez implique que todo este esforço de planear um ano lectivo presencial com os constrangimentos da doença vá acabar por ser, a curto ou médio prazo, desperdiçado. Espero sinceramente, por todos nós, estar enganado, mas tenho receio de que, já neste próximo mês de Outubro, regressemos ao confinamento, por tempo mais ou menos indeterminado.

   Não pretendia terminar esta entrada num tom tão deprimente, mas sinceramente não sei o que mais dizer. Gostaria de poder prometer escrever mais em breve, mas já aprendi que fazer essa promessa é quase uma garantia de não a cumprir. Por isso, caros leitores, reencontrar-nos-emos quando nos reencontrarmos, e, se estiverem mesmo por aí, tenham cuidado, tenham juízo, cuidem de vós e dos vossos, mas não deixem nunca de tentar identificar o que está ma1 e poderia ser mudado, ainda que, por ora, seja mais importante tentar sobreviver o melhor que se possa… Um bom ano lectivo, dentro dos possíveis, a todos os que o iniciaram hoje, e aos que já o iniciaram antes, e aos que o iniciarão depois.

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